Memórias de um poeta
MEMÓRIAS de UM POETA
Em Março de 2004, como muitos o sabem, embarquei nesta aventura "dar a conhecer a minha poesia".
Ao longo dos últimos 16 meses fui resistido à tentação do fogo e isso devo a vós - a todos aqueles que me lêem, quase um milhão de acessos.
Só quem a escreve; só quem é o seu autor, tem o direito de a rasgar ou de a queimar.
Sou contra todo o outro tipo de fogueira, mas isso não são contas do meu presente rosário.
Comecei bem cedo a escrever poesia por "culpa" do meu querido pai e do ar contemplativo de minha mãe que não sabia, nem sabe, escrever - mas isso são contas de outro rosário - pois, às mulheres lhe era quase negado o direito a estudar.
Dizia eu, ou estava para dizer: vivi numa humilde casa em Lisboa, paredes-meias com a feira-da-ladra, onde fui crescendo, escutando e observando
Comecei por aprender que a poesia cresce com a alma e escreve-se com amor e isto ensinou-me o meu querido pai:
Sobre o meu pai já escrevi o "insuficiente", pois, todas as palavras ou poemas não chegam para lhe dedicar.
Nasci em Julho de 1949 e nos anos 50 eu era menino.
A casa de meus pais, nesse tempo, fervilhava de familiares e amigos, que deixavam as suas aldeias, na Beira-Baixa, em busca de uma vida melhor. Meu pai e minha mãe recebiam-nos cedendo aos outros, até, a sua própria cama. E foi assim até há poucos anos.
Dormia-se por tudo que era canto - por turnos - pouca sorte partir; pouca sorte chegar.
Meu pai era um humilde comerciante de sacos usados, nada tinha e tudo dava. Sabia de tudo, tudo sabia, tivesse eu a sua brilhante memória. Não conheço ou conheci, sem qualquer favoritismo ou por simples acto de amor, algo semelhante pois ainda a conserva, viva, activa a sua memória com 83 anos.
A minha mãe aceitava tudo o que o meu pai fazia e dava tudo sem nada em troca.
À noite - mesa cheia - naquela mais humilde casa - escutava histórias de fantasia, de encantar e a poesia declamado por meu pai que todos com prazer o escutavam.
Sabia de cor todos os livros por onde estudou e a poesia que neles conheceu e decorou. Depois, vinham sempre rezar sobre a minha cabeça. (Tenho orações lindas com mais de 200 anos)
Fui crescendo, (não vos quero maçar), e, para abreviar, iniciei-me na poesia pela caneta de meu pai. Eu, ou melhor - meu pai - ganhava todos os prémios sobre poesia nas escolas por onde andei.
Nos anos de 60 do século passado escrevi, por minha mão, os meus primeiros poemas com a alma do meu pai. Já nesse tempo, a minha poesia a nascer, mergulhava na tristeza e cantava a vida com as cores do dia-a-dia. Cantava o que via ou o que não deveria e o que via era triste - mas isso são contas de outro rosário - pois, tudo era proibido.
Contaram-me, certo dia, que nas paredes do Aljube estava escrito com "tinta vermelha de sangue" a palavra LIBERDADE. A partir daí comecei a soletrar as letras do Zeca Afonso, do Adriano Correia de Oliveira, do Luís Cília do José Mário Branco e outros como o Sérgio Godinho e passei a militar na JOC (Juventude Operária Católica).
Aprendi que a poesia, escrita com a alma e com amor, tinha de ser disfarçada como se faz no contrabando.
Daí em diante era assim: poesia para lerem era escrita por metáfora. A outra, a Poesia era para esconder, mas, às vezes, arriscava.
Ao longo da minha vida escrevi mais de 11 livros de poesia que fui rasgando ou queimando ao sabor dos amores, desamores e erros meus.
Pouco resta! Duas pastas velhas que fui escondendo dos ímpetos do coração.
Sobraram poucos, não os vou rasgar porque apesar da sua fraca qualidade têm a alma de meu pai e muitas imagens que pintei desse tempo.
Volto ao início. Este é o meu livro de poesia.
E se virem por aí editado um poema menor mais antigo, desculpem, faz parte da minha humilde poesia que resistiu às labaredas.
Saudades
06-10-2005 21:45