AFASTAMENTO
(Nesta fotografia meu pai, minha prima e minha mãe)
AFASTAMENTO
O poema de hoje, AFASTAMENTO, foi escrito em 1974 quando nem sequer imaginava que um dia teria de colocar os meus pais num lar: No lar da Santa Casa da Misericórdia da Pampilhosa da Serra.
Entre as preocupações que me levaram a tomar esta dura decisão, mesmo com a anuência dos meus pais, estão os seguintes factos:
1º Desde Abril de 2016 meu pai, com 94 anos de idade, deu entrada na urgência do hospital de S. José por três vezes; No dia 1 de Abril foi-lhe diagnosticado a possível existência de um tumor no pâncreas que, até à data, não se confirmou;
2º Neste período esteve internado por 3 vezes num hospital de Lisboa com um quadro clínico grave;
3º Também minha mãe, com 91 anos de idade, nesse mesmo período de tempo, deu entrada pela mesma urgência com problemas respiratórios graves, um enfarte, e na última das vez esteve em coma quase 24horas. Para minha felicidade depois de tanto a acarinhar e lhe segredar ao ouvido, acordou… - Olha o meu querido filho Rogério!
4.º Entretanto, numa reunião, foi-me entregue um documento onde constava que meu pai seria admitido numa Unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, Unidade de média duração e reabilitação.
Pedi para ler o que ali estava escrito e recusei assinar em nome do meu pai tendo abandonado a reunião.
Essa recusa não era mera birra, era uma questão de direitos e liberdades dos doentes descritos no próprio impresso que li, tendo chamado a atenção para que fosse meu pai a decidir.
Recordei que meu pai detém todas as suas capacidades intelectuais e que nunca foi chamado para tomar qualquer posição sobre este seu assunto.
5.º Entretanto a minha mãe ficou à espera de ser integrada numa Unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, Unidade de longa duração e manutenção.
6.º Depois de lhes terem dado alta hospitalar vieram para a sua casa. Doentes e acamados, os dois, regressaram a um velho prédio que nem sequer tem elevador. Para uma velha casa sem um mínimo de qualidade onde todo o apoio era insuficiente e deficiente.
Foi assim que meu pai regressou à terra que o viu nascer, bem perto da aldeia de minha mãe – A Malhada – Colmeal.
Já no Lar da Santa Casa da Pampilhosa da Serra, constatei que existe ali muita humanidade, e muita doação, independentemente da qualidade e do profissionalismo dos seus mais de 40 trabalhadores.
Meus pais foram colocados no mesmo quarto e eu estava muito feliz com isso.
Entretanto chegou ao meu conhecimento que a minha mãe seria transferida para a Unidade de Longa Duração, ali perto, colocando em risco o seu Lugar no Lar bem como a alteração de comportamento de meu pai.
A minha maior tristeza foi por ter cedido… à colocação da minha mãe nos cuidados de saúde continuados de longa duração – seis meses - tendo desta forma contribuído para os separar. Meus pais não queriam ficar separados, viveram mais de 69 anos juntos e só a morte os poderia afastar.
Vou concluir. O que passámos nestes últimos 3 meses é inarrável, dói! Dói muito.
No meu caso e por muito mais que o faça, nunca conseguirei pagar o que os meus pais fizeram por mim. Mas foram tantos aqueles a quem meus pais abriram as suas portas, e cedido a própria cama, que chega a ser triste que nem uma só visita lhes faça.
E eu que ouvi e vi meu pai chorar, quando pela 3ª vez os fui ver à Pampilhosa da Serra, também chorei.
Lisboa, 27/07/2016 02:00:01
AFASTAMENTO
Rogério Martins Simões
Separaram nossos corpos, mulher,
Na idade em que preciso de ti!
Cresceram os nossos filhos
Cresceram, levou-os o vento,
Agora estamos sós:
Velhos do nosso tempo.
Apartaram nossas vidas
Em lares da terceira idade
Vivemos a longa distância
Indiferentes, por caridade…
Pareço namorar-te
Agora que bem te conheço.
Tenho-te no pensamento,
Longe de ti, não te esqueço.
Separaram nossos corpos, mulher,
Espero todos os dias por ti!
Se ao menos viesse o dia
Da nossa partida final,
Haveria mais alegria
No nosso amor imortal.
Juntos na mesma terra...
Tu e eu a recordar…
Os tempos em que lá na serra
Começámos a namorar.
Juntaram nossos corpos, mulher,
Às alfaces verdejantes…
10/1974