Memórias de um inverno em 1954
Rogério Simões com 5 anos de idade
Memórias de um Inverno em 1954
Rogério Martins Simões
De repente, do céu,
esvoaçaram farrapos de algodão
e através da vidraça eu via
que a minha rua se revestia
Com uma veste branca e fria:
Era o inverno
Que ainda não conhecia…
E apresentava-se esplendoroso
Ali, ao alcance da mão,
Nevava, em Lisboa, nesse dia.
E os meus pais assomaram à janela,
Enquanto, entre os dois,
em bicos de pés eu crescia…
Queria tanto brincar com ela,
E a neve não me via…
Bem cedo parti à descoberta.
Nada se sabe
e tanto se descobre no dia-a-dia.
Todos os meninos são marinheiros,
cavaleiros andantes,
que, pouco a pouco, vão sitiando
com olhares e andares
as terras e os mares.
Tantas coisas me tinham ensinado...
“Os meninos são marinheiros
São cavaleiros andantes
Os meninos são guerreiros
Homens pequenos, gigantes.”
Meu irmão ocupava, agora, o berço
que tinha sido meu.
Estava irreconhecível;
Era pequeno
e pintado de azul.
Olhava.
Ali estava um menino
parecido comigo,
e eu desejoso por brincar.
- Cresce depressa e vem brincar.
- Cresce depressa
para fazeres parte da minha história.
-Sou um menino pequenino,
maior do que tu,
cresce para seres como eu:
Cá em casa tudo é grande…
Pelas tábuas da velha casa
jogávamos ao berlinde.
Meu irmão,
olhava o berço que já foi seu,
que já foi meu,
e repetia as mesmas palavras:
- Cresce depressa
para brincares comigo.
E a nossa mãe
dava de mamar ao nosso irmão.
E ralhava!
Ralhava connosco,
ao ver os buracos
feitos no chão.
Havia, agora, três meninos;
Três buracos no chão,
Pequeninos,
do tamanho dos berlindes.
O tempo passa depressa
e a escola começara.
Conheci outros meninos
que jogavam ao berlinde na rua.
E tinham abafadores,
berlindes grandes,
com que “abafavam”
os berlindes dos outros…
Aprendi a guerrear…
nunca fiz parte dos fracos…
E se por qualquer razão,
A razão que em mim manda,
Certo estava, às vezes não.
“Escutei sempre o coração
Essa voz que me comanda”.
Nunca mais nevou na minha rua!
(Memórias)
Lisboa, 2005-02-28