Faltam-me as palavras, sobra-me a poesia: Carta a meu pai
“Faltam-me as palavras
Sobra-me a poesia.”
CARTA A MEU PAI
Rogério Martins Simões
Às vezes penso que
Se existem certos actos
Ditos de loucura,
Encarados e vistos como tal,
Têm como sublime vantagem
De se concretizarem nos sonhos.
Pai: há por aí tantos loucos,
Encarcerados na sua sadia loucura,
Que se verdades dizem
Não passam de uns insanos.
Não terão sido loucos os Santos,
E tantas pessoas nobres
Que se despiram
Para oferecerem os seus trajes aos pobres?
Não são loucos os sonhadores
De um mundo melhor,
Que doam a vida a uma causa maior?
Terá sido loucura
Viajar no espaço da incerteza
E aterrar no império do esplendor
Como o fez São Francisco de Assis!
Pai: Eu sei que sou um sonhador:
Mas nem sempre sou o que pareço
E se pareço ser o que não sou,
Sou aquilo que bem conheço.
Dizia Pessoa que poeta é ser fingidor!
- Mas eu não finjo,
Obrigam-me a fingir!
- Eu não morro,
Obrigam-me a morrer!
- Eu não sofro,
Obrigam-me a sofrer!
E se sofrer tanta dor não compensa,
Ser solidário recompensa
Exigindo que a vida seja melhor
Onde a ela exista e aconteça.
Quando comecei a escrever,
Sem ter a menor ideia do que lhe iria dizer,
Faltavam-me as palavras
Que neste instante tanto me sobram.
Pai!
Estas palavras são hoje inteiramente para si
Apesar de me ter perdido em deambulações.
Mas, tenho tantas palavras para si, meu pai
Ainda há pouco, enquanto conduzia,
Latejavam-me os sentimentos
Tinha na cabeça searas de pensamentos
Deambulando em movimentos:
- Brotavam-me tantas emoções!
- Tantas lembranças!
- Tantas recordações!
Sabe, meu pai,
Herdei de si esta enorme fortuna
Que sei agora que desprezam:
O sentido da honra;
A sensibilidade;
A humildade;
E acima de tudo a honestidade.
E se rico não fico,
Com esta tamanha riqueza,
É por rico eu fui e serei
Na poesia que de si herdei
E que nos recitava de cor à mesa.
Tantos poetas! Tantos poemas.
Como o dia de anos
(ou desenganos), de João de Deus,
Que o pai recita quase sempre em seus anos.
Pai: Também sou poeta
Memórias
(Rogério Martins Simões)
Voo nas memórias de meu pai!
Que conta sem conto,
Os contos da nossa aldeia.
Era menino!
E certa noite ao luar,
Minha avó,
De nome Maria,
Ensinava meu pai a contar.
Pairo nas memórias de meu pai!
Que conta sem conto,
Os contos da nossa aldeia.
Era menino!
E todos os dias ao jantar
Contava para mim,
Histórias de fantasia e de encantar:
Irmãos éramos três,
Nazaré, Laura e José.
Minha mãe a todos nos fez
De força, coragem e muita fé!
Recupero aqui
As memórias de meu pai
Que hoje conto
Porque me encanta!
Era uma vez, na nossa aldeia,
Na Póvoa ao fundo do lugar,
Minha avó que era uma santa,
Ensinava meu a pai a rezar.
Ave-maria.
Acabo como comecei se acabar eu queria:
Faltam-me as palavras sobra-me a poesia.
Mil beijos deste seu filho,
Rogério Martins Simões