AS CIDADES SÃO ARMADURAS… FATIGADAS E FORJADAS... EM LÍNGUAS, MITOS E RITOS... COMBINADAS DE CIMENTO E TIJOLO.
AS CIDADES SÃO ARMADURAS… FATIGADAS E FORJADAS... EM LÍNGUAS, MITOS E RITOS... COMBINADAS DE CIMENTO E TIJOLO.
Rogério Martins Simões
(Tomo 1)
As cidades são armaduras
As cidades são avenidas seguras
A cidade é a minha rua também
As ruas por onde andava são inseguras
Já lá não mora ninguém
Mas numa rua nasci
A minha rua era a cidade
Na minha cidade cresci
E agora com mais idade
Voltei trazendo a saudade
À rua onde ainda não morri
As cidades são armaduras
Fatigadas e forjadas
Em línguas, mitos e ritos
Combinadas de cimento e tijolo.
A minha rua tinha um casario
Numa dessas casas nasci
Da casa espreitava o rio
E o rio era o meu navio
Para onde aprendi a espreitar
E só tinha os olhos no mar
Por isso da minha casa espreitava
Olhava através dum postigo
No dias em que o vento açoitava
Tudo à frente levava
Colocando a barra em perigo
E para o navio não encalhar
Quatro vezes viravam
Duas vezes para o mar
As proas destes navios
E até o guindaste parava
Não descarregando mais nada
No cais da minha cidade
Onde muito perto morava,
De onde tudo isto espreitava
E mais por agora não vos digo
(Tomo2)
FATIGADAS E FORJADAS
Nas traseiras da minha casa
Existia um saguão
Onde as mulheres à tarde lavavam
com muita água e sabão
As roupas que todos sujavam
E tudo era lavado à mão.
E até o velho tanque sorria
Àquelas mulheres tão novas
Por isso me recordo agora
Das partidas que elas faziam
Das bolas de sabão que subiam
Da ponta do meu canudo
E até minha mãe cantava
Uma cantiga das beiras
Apesar de muito cansada
De tanto trabalho na praça
E todas muito se riam
Até diziam asneiras
E antes chegassem os homens
Passavam de lavadeiras
A criadas de servir
E quando o meu pai regressava
A minha mãe com seu ar de graça
À frente da garotada
Fazia sempre chalaça.
E nem havia tempo para carpir
Que a janta estava pronta
(TOMO 3)
EM LÍNGUAS, MITOS E RITOS
Agarradas aos frontais
As varandas da minha rua
Mais pareciam estendais
Em todas as sacadas havia
Roupas dependuradas
Que escorriam para a rua
Tinham sido bem torcidas
Tinham sido bem espremidas
Mas uma vez um careca
Que olhava para a lua
Levou com uma encharcada cueca
No alto da nuca
E alguém chama um polícia
Logo o polícia autua
E foi um reboliço
Juntou-se uma multidão num buliço
Entre os quais um castiço
Que no meio da confusão
Rouba ao merceeiro o chouriço
E chama de careca ao lesado
E o polícia que não se faz rogado
Pega no cassetete e bate
Num inocente que passava
E salta a peruca…
A malta estava maluca
Ouviu-se a sirene da “Ramona”
E antes que os levassem p´ro Torel
Partiram numa “fona”
Fica apenas o móbil do crime
Que esta história de cordel
Por agora não acaba aqui
(TOMO 4)
COMBINADAS DE CIMENTO E TIJOLO.
E ao Domingo descansavam
Mas era dia de missa
Ordeiramente preparavam
Uma banheira de zinco
Duas panelas de água quente
Uma barra de sabão azul
Toalhas e um pente.
E assim começava a barrela
Os putos iam primeiro
Na mesma água do banho
Que ainda não ganhara cheiro
E mais parecia amarela
Depois de limparem o ranho
E quando ficava castanha
Era despejada para o ralo
Estava a ficar tarde para a missa
E antes que viesse a preguiça
Ordeiramente recomeçava
Voltavam as panelas
A água morna no zinco
E os corpos que transpiravam
Ficavam todos num brinco.
Agora na minha cidade
Não lavam mais roupa à mão
Nem o corpo em banheiras de zinco
Eu vi quando por lá passava
Que os passeios da minha rua
Estão agora presenteados
Com tanta merda de cão
E assim vai a minha cidade
Que os gatos da minha idade
Também só mijam no chão…
Da minha rua parte um caminho;
Um caminho que me conduz ao destino;
Que destino me traz o caminho;
Que me conduziu à minha rua…
As cidades são armaduras
Fatigadas e forjadas
Em línguas, mitos e ritos
Combinadas de cimento e tijolo.
26/09/2013 17:59:15
29/09/2013 01:39
Meco, 30-09-2013 23:19
( Este ensaio será incluído num próximo livro do autor)