Resquícios
(Isabel Martins de Assunção, nasceu na Malhada- Colmeal - Góis em 15/2/1925)
RESQUÍCIOS
Rogério Martins Simões
Lentamente o tempo sorve os resquícios das inimagináveis páginas que ficaram por escrever.
Era uma vez…
Colocou as tamancas nos seus pés que nunca foram meninos.
Sorriu para o vestido de chita.
Alisou os seus cabelos finos.
Pegou na rodilha e colocou a sua aldeia à cabeça.
Conhecia os caminhos da Malhada como ninguém: longas e íngremes veredas, pastos matosos, distantes das letras apenas reservadas aos futuros homens.
E, enquanto subia ao alto da serra por velhos caminhos de cabras, ia dizendo adeus às meninas pastoras, suas companheiras, que por ali ficavam à espera das velhas casamenteiras.
Talvez um dia também as deixassem partir, ou aprender a ler e a escrever - pensava.
Finalmente alcançou o local de paragem do autocarro onde uma multidão também já o esperava.
Poisou a carrego.
Lavou-se na levada.
E levou à boca um naco de broa que trazia para a jornada.
Ouviu-se o roncar da velha camioneta que ao Farroupo chegava.
Tinha chegado a hora de partir. Entrou a sorrir mas uma lágrima disfarçava
Chegou à Lousã e tinha à sua espera um comboio que nunca vira.
Entrou e assomou logo à janela da carruagem e cantarolava.
Tudo lhe era estranho: como o fumo preto que a máquina movida a carvão deitava.
Decidida a lutar por uma vida melhor, chegou a Lisboa com seus olhos de mel.
Mãe
Entrei pela luz, da sua luz: tenho vida
No brilho dos seus olhos me revejo
No seu coração encontrei sempre guarida
Obrigado, minha mãe: um eterno e terno beijo
Meco, Praia das Bicas, 26/01/2014 21:53:24
ROMASI

