Improviso da alma e do poeta
(Rogério Martins Simões)
Dia a dia o desamor
Quebra o sentido da vida
Sofre-se em segredo
E na incerteza...
Reina a ganância,
A injustiça
O sofrimento, a pobreza
E o medo!
É fácil dizer:
Temos de ser solidários!
Ser… não é fácil?
A vida é tortuosa,
Manhosa
Vai tudo numa pressa.
E na pressa tudo olha
Nada se vê!
Olho! Nada vejo!
Olho! Nada sinto!
Olho! Olho! Olho!
Que vejo?
Vai tudo na pressa
À velocidade do salário.
Vai tudo na pressa
À velocidade do ganho!
E o homem virou máquina,
Computador
Autómato.
Mas… o luar está igual
O céu não mudou!
Mudou a humanidade
Que perdeu a individualidade.
Passámos a ser números,
Peças de inventário.
Desumanidade!
Dia a dia
Caem os valores morais
Perfilam as estatísticas
Dos ganhos:
Ganha a produção:
Ganha-se menos!
Trabalha-se mais:
Ganha-se menos!
Que importa?
Se um homem tem fome?
E se há revolta.
Que importa?
A quem importa?
Importa é o dinheiro
Ser rico,
Virar banqueiro.
Mas… a areia cintila no deserto!
E nem tudo o que brilha é oiro
- Não vedes o céu a irradiar?!
Não! A humanidade não luz:
A sociedade é egoísta,
Prolifera o desamor.
Importa é estar na "berra"
E neste egoísmo nada sobra.
Está quase a bater no fundo!
Estes tempos são difíceis
Só há tempo para o fútil,
Para a notícia brejeira,
Para a asneira
Para a coscuvilhice.
E nesta agitação…
A alma consome
E o corpo mata.
Mas o mar permanece azul!
O melro assobia
O vento vira furacão.
Passou o tempo…
(O tempo passa depressa)
E na pressa
Não há tempo para filhos.
Dos filhos para os avós.
Dos avós para os netos.
Dos meninos para a família!
Volta poesia!
Volta poeta...
Acredita...
Que estamos no Outono,
Mais logo… será Inverno,
Vem aí a Primavera
Tudo será verde… renascido,
E de volta ao lar,
Em redor da lareira
Quando o dia findar,
Os avós,
Os pais
E os netos
Recordarão histórias da vida,
Contadas sem segredos,
(Segredos bem guardados).
E desses segredos
Renascerão
Os gestos colectivos de amor
Repreendidos
E esconjurados
Os actos egoístas
De desamor.
E os meninos
De volta às escolas
(Sem números nas camisolas)
Pintadas a lápis de cor
Vão ter recreios doirados
Em mil e uma aventuras.
E se treparem às arvores,
Subirão à “Torre de Babel”
E todos se entenderão
Na mesma língua.
Porque a terra vai ser paraíso
E os frutos não mais serão proibidos...
Lisboa, 29-10-2004 22:27:03
Poemas de amor e dor
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(Óleo sobre tela
Elisabete Sombreireiro Palma)
CORRO EM SENTIDO CONTRÁRIO
(Rogério Martins Simões)
Corro em sentido contrário
Desço o rio a pé, molhado à cintura
Quem me entende?
Quem me deita?
Quem me estende?
Quem me aceita?
Seco a cabeça no limiar da secura
Deixem correr o rio…
Que me entende!
Que me ajeita!
Que me estende!
Que me aceita!
Aceito o colo da ternura
Nado numa pista de cinza
Estou cansado
Das falsas partidas…
Prometidas
Incumpridas
Desgastadas
Ando aos recuos
Ao contrário das vistas…
Vistas as coisas, estamos nus…
O mundo é dos vestidos,
Compridos,
Rasgados
Comprimidos
Decotados
O mundo é dos modelos
Dos esbeltos e dos belos
Das farsas
Dos comparsas…
Tiraram-me as medidas…
Encurtaram as pistas…
Recuei
Minguei
Encontrei a loucura...
07-10-2005 18:24
Poemas de amor e dor
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ZARPA… QUE INCOMODA!
(Rogério Martins Simões)
O que pensas quando estás só?
Que notícias trazem de ti as horas?
Por que suspendes os minutos
e desprezas os segundos?
Secundaram a tua imagem
numa versão de cárcere.
Que sabem de ti os amigos?
Que dúvidas escorrem
nos confins da tua mente?
- Mentias se falasses!
Por isso nada dizes
e o silêncio incomoda.
Morrias se ouvisses um grito!
Chorarias
se escutasses uma criança!
Que criança tem o teu coração?
Ainda, assim, escutas
o teu próprio silêncio.
Resta-te um velho cão…
Continuas só,
escutando nada!?
Lá fora uma multidão,
danada,
apedreja um ladrão…
À luz de uma velha cidade
florescem cimentos
e as gentes passam por edifícios
construídos nos penhascos dos lucros…
Parecem feras enjauladas
que se soltam
e percorrem, na rotina,
o caminho contrário.
Contrariamente à sorte
não se fala na mesma língua…
O regresso é o inverso e o verso
de uma partida desesperada…
A todo o tempo se remexe
em papéis,
em contas,
e se contam os tostões
para pagar as dívidas!
Que dívida tens para com a sorte
em teres nascido?
Zarpa que incomoda!
Resta-te um velho cão…
Andam aos tiros nas ruas.
Apontam as espingardas
às casas vazias.
Vivem agora nos fundos…
a fugir às bombas.
Não oiço nada cá em baixo!
Não oiço nada cá em cima!
O hospital tresanda
a fétida melena
de sangue cozido pelo sol.
O sol não nasceu para todos!
Estendem-se redes,
pelos telhados,
para aprisionar a luz.
Falta-me a lucidez!
Zarpa que incomoda!
Resta-me um velho cão…
O cão sacode a pulga.
E a pulga regressa ao homem
de onde nunca deveria ter saído.
Na barraca, de tabique,
há sempre correntes de ar
e cheiros pestilentos
das canseiras.
No bidão
improvisa-se um lavatório.
Emprenha-se um buraco…
que faz de latrina…
Ao lado, prego com prego,
cheira a catinga.
E uma velha mulher
canta
uma desconhecida
canção de embalar.
Todas as manhãs
são escurecidas
com excrementos escorridos….
Cheira a merda!
Zarpa que incomoda…
Resta-me um velho cão…
Hoje não penso
nas quatro paredes
que me cercam.
Corri meus olhos numa cotovia
Que voava apressada...
Bateram à porta.
Foi engano!
Lá fora, nas cartilagens da agonia,
há tanta luta!
Movimento as minhas mãos
E conforto o velho cão
Que não se mexe.
Sucumbia a uma lambidela...
Zarpa que incomoda…
Que sorte
ter um cão por amigo!
Lisboa, 31/08/2006
Poemas de amor e dor
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