QUE COMER DO QUE RESTA DA ALDEIA?
Rogério Martins Simões
Fogo!
Não venha comer as minhas ovelhas.
Fogo!
Só sei apagar a fogueira…
Cruzes canhoto;
Já me ardem as orelhas
Vade retro
Deixe as nozes e a nogueira…
Tem noites,
Em que as noites são vermelhas…
Credo! Abrenúncio!
Vem por aí a feiticeira…
Ferradura atrás das portas
E cornos nas telhas…
Vade retro
Deixe os figos na figueira…
Fogo não volte
Para roubar o nosso pão.
Menino homem
Só tem medo do papão…
LOBA…
Que vai ser de si e da sua alcateia…
Dói a barriga de tantas amoras…
Ardem as silvas,
Os matos e as horas…
Que comer se nada resta da aldeia?
Meco, 29/07/2017 00:18:09
(Dedicado às Lobas... que tanto lutaram para terem uma vida melhor e que com avançada idade não podem voltar a lutar)
Poemas de amor e dor
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publicado às 01:40
Roubava uma cereja
Rogério Martins Simões
Poiso os olhos numa cereja,
Tão exposta ao olhar…
Antes que outra mão a veja,
Aquela vinha mesmo a calhar…
É meio-dia!
Ao almoço contam-se os tostões.
Pobre diabo que só pensa em bifes
E os vê por um canudo,
Antes fosse peta,
Ou brincadeira de Entrudo,
Que isto de passar “fome de rabo”
Com a barriga vazia
Até rábano se comia…
Engano e engasgo a fome…
Que por ter fome demais
Volto a pensar na cereja
Que vinha mesmo a calhar…
Meco, 2/11/2011
Poemas de amor e dor
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publicado às 22:06
TELA DE ELISABETE SOMBREIREIRO PALMA
O RIO AO FUNDO…
Rogério Martins Simões
O rio ao fundo do vale
Leva consigo as lágrimas deste povo que sofre,
Deste povo que labuta e vê partir nas águas
Outras almas em busca de outros mirantes
Que triste é viver num país sem esperança,
Sem futuro!
Meco, 05-10-2011 01:33:52
Poemas de amor e dor
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publicado às 00:03
Foto do World Press Photo Contest
CRESCE A RAIVA NA GARGANTA!
Rogério Martins Simões
Bem cedo as manhãs começam
com camas desfeitas e frias…
cansados à noite regressam:
Perguntem às ruas vazias…
Manhãs de novo recomeçam,
com canseiras e correrias…
cansados à noite expressam:
Desagravos, fome e fobias…
Mas se há tal força no pranto,
que recresce em cada canto,
cuidai deste desassossego!
Pois se tanta voz se levanta,
Cresce a raiva na garganta:
- Chega; de tanto desemprego!
Aldeia do Meco – 12-06-2010 22:57:41
Poemas de amor e dor
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publicado às 23:42
(foto da World Press Photo Contest 2004)
SITIAREMOS A CIDADE…
Rogério Martins Simões
Estou farto de ser sorvido
por parangonas,
por promessas incumpridas,
libadas pelos criadores
de regras asfixiantes
que nos conduzem ao abismo…
nas amplas… liberdades…
Se disserem: o povo tem fome!
Os governos das cidades…
irão gizar o que nunca sentiram?
Estaremos no centro do universo:
Das abstracções?
Dos raciocínios?
Das interjeições?
Das preocupações?
Deixará o sofrimento
marcas
a quem nunca sofreu?
Que lhes importam as palavras,
os compêndios e os códigos,
se os donos das cidades
dominam a fonética.
És apenas mais um voto,
um número
de uma fita métrica…
Que sentido tem a dor,
a solidariedade, a paz,
a justiça e o amor?
Sabes:
Os pensamentos dispersos,
aglomerados,
submergem a universalidade
dos pactos nocivos,
as ideias impostas,
e os convénios idolatrados
dos mestres das apostas…
Pensas? Que mais queres?
Pensas? Tens de agir!
Sitiaremos a cidade…
Lisboa, 30-05-2008 19:21:51
Poemas de amor e dor
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publicado às 22:59
Seguro da insegurança
Rogério Martins Simões
Torres vigiam a casa assombrada
onde perpetuam marginais e abstractas letras
de uma desconhecida liberdade.
A canalha... aproxima-se
verberando abstracções concretas.
No alto da torre seguem os carros pretos
chapeados com protecções e blindagens.
Blindaram os corações
para recolher os protestos.
Não! Os protestos não chegam às torres…
Aparam os ouvidos,
com guardanapos ao tiracolo,
e vestem camuflados para vigiarem o solo.
Para manterem a forma exercitam-se
encolhendo os ombros
e olhando de soslaio.
A segurança mantém asseguradas
as palavras contrárias
e perseguem quem se oponha à segurança!
Se lhes virar as costas dirão que sou poeta…
Dispararam às cegas e atingiram um colibri...
Do mar saltam alforrecas e camarões!
Os moribundos mascam, agora, folhas de coca
A segurança contra-ataca com a segurança dos narcóticos
Do deserto partiram legiões imprecisas de escorpiões.
Dizem que um bando de loucos
se escondeu numa toca
Toca docemente um violino cego
E ouve-se uma canção de embalar:
- Que será de ti meu menino
Se o povo não se revoltar
Corre um vento forte.
Ouvem gritos!
Se virar as costas
dirão que não sou poeta…
Um abraço para ti José Baião
1/03/2007
Rogério Simões
(correspondência entre poetas)
Poemas de amor e dor
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publicado às 22:18
Improviso da alma e do poeta
(Rogério Martins Simões)
Dia a dia o desamor
Quebra o sentido da vida
Sofre-se em segredo
E na incerteza...
Reina a ganância,
A injustiça
O sofrimento, a pobreza
E o medo!
É fácil dizer:
Temos de ser solidários!
Ser… não é fácil?
A vida é tortuosa,
Manhosa
Vai tudo numa pressa.
E na pressa tudo olha
Nada se vê!
Olho! Nada vejo!
Olho! Nada sinto!
Olho! Olho! Olho!
Que vejo?
Vai tudo na pressa
À velocidade do salário.
Vai tudo na pressa
À velocidade do ganho!
E o homem virou máquina,
Computador
Autómato.
Mas… o luar está igual
O céu não mudou!
Mudou a humanidade
Que perdeu a individualidade.
Passámos a ser números,
Peças de inventário.
Desumanidade!
Dia a dia
Caem os valores morais
Perfilam as estatísticas
Dos ganhos:
Ganha a produção:
Ganha-se menos!
Trabalha-se mais:
Ganha-se menos!
Que importa?
Se um homem tem fome?
E se há revolta.
Que importa?
A quem importa?
Importa é o dinheiro
Ser rico,
Virar banqueiro.
Mas… a areia cintila no deserto!
E nem tudo o que brilha é oiro
- Não vedes o céu a irradiar?!
Não! A humanidade não luz:
A sociedade é egoísta,
Prolifera o desamor.
Importa é estar na "berra"
E neste egoísmo nada sobra.
Está quase a bater no fundo!
Estes tempos são difíceis
Só há tempo para o fútil,
Para a notícia brejeira,
Para a asneira
Para a coscuvilhice.
E nesta agitação…
A alma consome
E o corpo mata.
Mas o mar permanece azul!
O melro assobia
O vento vira furacão.
Passou o tempo…
(O tempo passa depressa)
E na pressa
Não há tempo para filhos.
Dos filhos para os avós.
Dos avós para os netos.
Dos meninos para a família!
Volta poesia!
Volta poeta...
Acredita...
Que estamos no Outono,
Mais logo… será Inverno,
Vem aí a Primavera
Tudo será verde… renascido,
E de volta ao lar,
Em redor da lareira
Quando o dia findar,
Os avós,
Os pais
E os netos
Recordarão histórias da vida,
Contadas sem segredos,
(Segredos bem guardados).
E desses segredos
Renascerão
Os gestos colectivos de amor
Repreendidos
E esconjurados
Os actos egoístas
De desamor.
E os meninos
De volta às escolas
(Sem números nas camisolas)
Pintadas a lápis de cor
Vão ter recreios doirados
Em mil e uma aventuras.
E se treparem às arvores,
Subirão à “Torre de Babel”
E todos se entenderão
Na mesma língua.
Porque a terra vai ser paraíso
E os frutos não mais serão proibidos...
Lisboa, 29-10-2004 22:27:03
Poemas de amor e dor
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publicado às 00:14
(World Press Photo Contest 2004)
PENETRO NA NOITE SOMBRIA
(Romasi )
Penetro na noite sombria
e vejo gente ao lixo
apanhando o papel velho dos jornais.
Trazem notícias de guerra,
ânsia de paz…
arraiais…
Quantos só agora souberam da guerra:
Ou por que não a fazem!
Ou por que não aprenderam a ler os jornais...
Para quê?
Se não há dinheiro para os comprar!
Mas há, sempre uma mão
para trabalhar,
um saco vazio para encher
e a fome para matar…
Um carro desloca-se a pouca velocidade
O motor... parece falhar
com o frio que o arrefece.
Um gato afasta-se para salvar a vida…
O cão procura o osso…
que escondeu outrora…
para logo fugir
com medo de ser apanhado pela carroça…
O dia nasceu!
O sol já penetra nos vidros dos escritórios vazios
e os trabalhadores vêem pendurados nos eléctricos
superlotados de aumentos…
Agora já não andam ao papel
porque a vergonha chegou...
Agora gira tudo na monotonia do dia
E tudo faz parte da vida…
Lisboa, 1967
Poemas de amor e dor
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publicado às 22:20
Na revolta do cajado
ROMASI
Sobem o monte
O pastor, o cajado e o cão!
Quanto mais se vergam
Maior é o trambolhão!
-EH farrusco!!!
Ah! cão de uma figa
Vai... dar a volta aos porcos.
Dizem pelos montes
Queixam-se os antigos
Que os donos dos porcos
Só dos porcos são amigos…
- Vai-te a eles Sereno!
- Anda varrão oooooo
Maldito javardo…
Marrano ladrão!
Fala-se por estas andanças
Que os porcos
São delícias nas matanças…
- Volta Sereno!
Anda Farrusco!
Venham cá roer do nosso!
Merenda de pastor
Fome de cão!
Toucinho cru
Naco de pão
Diz-se e não se enganam
Gado gordo,
E pele tostada
Pastor seco
Liberdade castrada.
Dizem agora no monte
Quando os pastores se juntam
Que amanhã irão comer o porco
Na revolta do cajado…
27/01/1971
Poemas de amor e dor
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publicado às 21:48