Seguro da insegurança
Rogério Martins Simões
Torres vigiam a casa assombrada
onde perpetuam marginais
e abstractas letras
de uma desconhecida liberdade.
A canalha… aproxima-se
verberando abstracções concretas.
No alto da torre seguem os carros pretos
chapeados com protecções e blindagens.
Blindaram os corações
para recolher os protestos.
Não! Os protestos não chegam às torres…
Aparam os ouvidos,
com guardanapos ao tiracolo,
e vestem camuflados para vigiarem o solo…
Para manterem a forma exercitam-se
encolhendo os ombros
e olhando de soslaio.
A segurança mantém asseguradas
as palavras contrárias
e perseguem quem se oponha à segurança!
Se lhes virar as costas dirão que sou poeta…
Dispararam às cegas
E atingiram um colibri!
Do mar saltam alforrecas e camarões!
A segurança contra-ataca
com a segurança dos narcóticos.
Os moribundos mascam,
agora, folhas de coca.
Do deserto partiram legiões,
imprecisas,
de escorpiões.
Dizem que um bando de loucos
se escondeu numa toca
Toca docemente um violino cego
Ouve-se uma canção de embalar:
- Que será de ti meu menino
Se o povo não se revoltar
Corre um vento forte.
Ouvem gritos!
Se virar as costas
dirão que não sou poeta…
Um abraço para ti José Baião
1/03/2007
Rogério Simões
(correspondência entre poetas)
Poemas de amor e dor
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publicado às 23:44
Foto do World Press Photo Contest
CRESCE A RAIVA NA GARGANTA!
Rogério Martins Simões
Bem cedo as manhãs começam
com camas desfeitas e frias…
cansados à noite regressam:
Perguntem às ruas vazias…
Manhãs de novo recomeçam,
com canseiras e correrias…
cansados à noite expressam:
Desagravos, fome e fobias…
Mas se há tal força no pranto,
que recresce em cada canto,
cuidai deste desassossego!
Pois se tanta voz se levanta,
Cresce a raiva na garganta:
- Chega; de tanto desemprego!
Aldeia do Meco – 12-06-2010 22:57:41
Poemas de amor e dor
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publicado às 23:42
(Óleo sobre tela
Elisabete Sombreireiro Palma)
Ceifeira campo de trigo a crescer
(Romasi)
Há terra lavrada
E vida nas ceifeiras.
Há trigo desejado
Em cada espiga cortada:
Nasceram os filhos
Às ceifeiras!
E ouvem-se pelos montes
Cantos da esperança
Por cada nova jornada:
Cantem!
Porque chora uma criança.
Há terra lavrada
E vida nas ceifeiras
Haja alegria
Pois a espiga doirada
Deu mais trigo à jornada.
Viva o trigo a crescer
O povo a viver
Pois em cada espiga cortada
Há uma força redobrada
Da natureza a parir.
Viva! A espiga doirada
De trigo a sorrir.
1976
Poemas de amor e dor
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publicado às 18:53
RIO DE PEIXE, MAR DE CARNE…
ROMASI
Foste ao mar
Aventureiro
Rio de peixe
Tragaste o duro pão
Aventureiro
Mar de carne…
O mar estava calmo
Aventureiro
Rio de peixe
Varreste a onda em vão
Aventureiro
Mar de Carne…
Lançaste a rede na bonança
Aventureiro
Rio de peixe
Foste pescado…
Aventureiro
Mar de carne…
Escutaste o canto da sereia
Aventureiro
Rio de peixe
Porque o mar estava irado
Aventureiro
Mar de carne…
És bravo, és herói
Aventureiro
Rio de peixe
Mar de carne.
Lisboa 1973
Poemas de amor e dor
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publicado às 14:06
ARREMESSO
Romasi
O mar em fúria
devolveu uns restos humanos à praia.
Dizem
que nesse dia,
um negro não mais bateu na água…
11/1973
Poemas de amor e dor
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publicado às 23:45
(Cópia
Óleo sobre tela Elisabete Sombreireiro Palma)
PERCURSOS
Rogério Martins Simões
Andamos aos poucos
a escrever o livro das nossas vidas.
A libertação tem o seu preço,
pagamos caro a mudança,
sacudindo as roupa envelhecidas…
Que é feito dos vestidos de chita?
Onde estão os dedos finos delicados
que enrolavam os cabelos do menino?
E os caracóis? E as gotas
com que rebuçava o olhar de mel?
Tartarugas luzidias rastejam
recordando que já foram cágados…
Abro o saco e liberta-se
um louva-a-deus…
Manejo uma espada de madeira,
herói da banda desenhada.
Ergo a espada de nada
e faltam-me as sílabas
que se escaparam
das folhas arrancadas.
Ainda assim quero escrever,
quero borboletear faíscas
para não ficar cego…
As recordações são agora
monstros cospe-lume,
dragões afinados…
Cordas partidas de um violino.
Liberto as claves de sol
para de novo te ver sorrir!
Um canto adormecido
embala docemente
um berço de silêncio.
Recupero o leite materno
num figo verde,
lábios rasgados.
Chupo um rebuçado
com sabor a mentol.
A tinta permanente secou!
O mata-borrão
levou as pontas do meu nome
(bem desenhadas
para caber entre duas linhas.)
Entrelinho as palavras desalinhadas.
Não dou a mão à palmatória.
Quando tudo passar serei glória.
Por agora vou afinando
as cordas estropiadas,
velha amarra dum batel.
A espada é agora pó
e já foi serradura…
Os cabelos, caracóis finos,
afinaram os violinos
numa nuca envelhecida
e cantaram vitória…
Ainda assim a fogueira
não destruiu tudo
e o combate ao dragão
queima-tudo,
ainda agora começou.
O fumo das folhas
é agora nosso.
E os versos também…
26-02-2007 0:23:20
(Ao correr da pena, dedicado à poetisa
Maria Célia Silva )
Poemas de amor e dor
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publicado às 00:05
(Óleo sobre tela Elisabete Sombreireiro Palma)
ESCUTEI UM RUGIDO AO VENTO
Rogério Martins Simões
Escutei um rugido ao vento.
É vento! Não oiço a nora a chiar.
Ondas do meu pensamento,
Pois, a nora já não pode rodar!
Roda tudo – A nora foi no desalento…
Foi tempo! A nora não tem muar.
- Nora que é do teu jumento,
Que girava, girava, sem parar?
Roda tudo, o passado e o presente
- Nora onde está a tua gente?
O campo árido e a água por deitar,
Pastagem seca! Rebanho sem pastor.
- Escutai! Não é vento, é um clamor:
Partiram para sempre por terra e mar!
25-08-2005
Poemas de amor e dor
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publicado às 22:50
(Capela da Póvoa - Pampilhosa da Serra)
Vieram de longe
Rogério Martins Simões
Vieram de longe de onde se avista a pinha!
De olhos esperançados e o rosto enrugado,
Com rugas do cansaço de trabalho na mina.
Sempre por perto porque longe fica ao lado…
Vieram para Lisboa para perto da linha:
Que os viu chegar no comboio apinhado.
Estrangeiros na sua terra; que estranha sina,
À procura de trabalho mais remunerado.
Trabalhavam, sol a sol, qual terra prometida.
Visitavam a aldeia já cansados da vida,
Onde colhiam os cachos e faziam o vinho…
Esventraram montes e derrubaram as colinas…
Construíram as pontes, cruzaram as esquinas!
E regressaram às aldeias no final do caminho…
2004-04-23
(Aos meus pais)
Poemas de amor e dor
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publicado às 18:55
Abismo pátrio
José Baião Santos
trago de volta a lua sonâmbula
de álamos e alma articulável
dois dedos fazem grande diferença
na forma de segurar uma criança
trago na consciência sinos bizarros, alarmes falsos
só de ver os palcos adoecer no leito dos versos
ser afinal um, entre pusilânimes e ascetas
que de tanto voar se diz descendente de profetas
trago nacos de fome dentro do alforge
para matar serpentes neste meu abismo solitário
e quando se ouvir o arrastar das correntes
já estarei livre de salafrários e de impotentes
para quê cuidar dos jardins
enrolar o sémen das palavras ao coração
fingindo que todas as estrelas permanecem deitadas
nas margens fósseis dos rios das levadas
estou prestes a cair - a qualquer momento
posso contrair uma lesão multicelular
exposta Mas fiquem a saber que
me é tão indiferente rasgar as unhas ao nevoeiro
ou cantar à desgarrada
para salvar o que resta da pátria e da musa deificada
diante do busto inacabado dum poeta caeiro
Aquele abraço
7/03/2007
José Baião Santos
(correspondência entre poetas)
Poemas de amor e dor
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publicado às 21:43
ABISMO
Rogério Martins Simões
Tento dar tudo dando nada
Sou ditongo nasal,
tenho a narina entupida
Sou prova oral
tenho a voz engolida…
Ando cansado e as pernas
não flectem
Oiço barulho e estou surdo
Quanta tristeza vai em mim
Quanta mágoa!
Que sobra
se já não sou e pouco resta.
Resta o pensamento!
Carga imaginária
que não se esgota
que me afronta,
não me derrota e me limita…
Tenho a testa nos confins
do semblante
Desconfio da sorte
que não me sai
Desconfio da esperança
e do momento.
Cismo, cismo, cismo!
O corpo não mexe,
pouco importa
Importa-me a desventura,
má sorte,
Que me conduz ao abismo.
Vai,
segue em frente
que o precipício não te é
indiferente
Semente do desencanto
de quem tanto sofreu.
Vai,
segue agonia viajante
e diferente
E recorda-te que já fui sorte
05-03-2007
Boa noite José Baião
Rogério Simões
(correspondência entre poetas)
Poemas de amor e dor
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publicado às 00:01