HERDEIROS DO MEDO Rogério Martins Simões
Derramam-se palavras incertas,
Presságios e angústias certas,
Das terras ao mar profundo.
Com que prece fogem do medo,
Os heróis do sobressalto, a salto
Das guerras dos senhores do mundo.
Soa um alarme que se solta,
Há náufragos no alto mar.
É tarde e só estará de volta
A onda para os levar…
Somos os filhos do medo,
Que levámos aos confins do mundo.
Com que fim se desdobra
A angústia e o mau presságio
Heróis do sobressalto, a salto
Através do mar profundo?
São os herdeiros do medo
Heróis sacrificados, deserdados
Nas mãos dos senhores do mundo.
Campimeco, Meco, 06/02/2018 15:28:14
Simões, Rogério, in “POEMAS DE AMOR E DOR”,
(Chiado Editora, Lisboa, 1ª edição, 2019)
1ª edição: Agosto, 2019
ISBN: 978-989-52-6450-6
Depósito Legal n.º 459328/19
Poemas de amor e dor
conteúdo da página
publicado às 21:17
Foto da
World Press Photo Contest 2004
SEGURO DA INSEGURANÇA
Rogério Martins Simões
Torres vigiam a casa assombrada
onde perpetuam marginais
e abstractas letras
de uma desconhecida liberdade.
A canalha… aproxima-se
verberando abstracções concretas.
No alto da torre seguem os carros pretos
chapeados com protecções e blindagens.
Blindaram os corações
para recolher os protestos.
Não! Os protestos não chegam às torres…
Aparam os ouvidos,
com guardanapos ao tiracolo,
e vestem camuflados para vigiarem o solo.
Para manterem a forma exercitam-se
encolhendo os ombros
e olhando de soslaio.
A segurança mantém asseguradas
as palavras contrárias
e perseguem quem se oponha à segurança!
Se lhes virar as costas dirão que sou poeta…
Dispararam às cegas
atingiram um colibri!
Do mar saltam alforrecas e camarões!
A segurança contra-ataca
com a segurança dos narcóticos
Os moribundos mascam, agora, folhas de coca
Do deserto partiram legiões imprecisas de escorpiões.
Dizem que um bando de loucos
se escondeu numa toca…
Toca docemente um violino cego
Ouve-se uma canção de embalar:
- Que será de ti meu menino
Se o povo não se revoltar
Corre um vento forte.
Ouvem gritos!
Se virar as costas
dirão que não sou poeta…
1/03/2007
(correspondência entre poetas)
( Registado no Ministério da Cultura)
Inspecção-Geral das Actividades Culturais I.G.A.C.
Processo n.º 2079/09 )
Poemas de amor e dor
conteúdo da página
publicado às 13:41
(foto da autoria de Padre Pedro - Pampilhosa da Serra)
LOBO… QUE COMER NO QUE RESTA DA ALDEIA?
Rogério Martins Simões
Lobo não venha comer a minha ovelha…
Tenha cuidado que eu faço fogueira.
Cruzes canhoto que vem por aí a velha…
Lobo não coma a noz verde à nogueira…
Tem noite que a noite é vermelha.
Credo! Abrenúncio! Vem aí a feiticeira…
Ferradura na porta; corno na telha…
Lobo não coma o figo verde à figueira…
Lobo não volte para roubar o nosso pão.
Menino homem só tem medo do papão…
Lobo que comer no que resta da aldeia?
Loba… que vai ser de ti e da tua alcateia…
Dói-me a barriga de comer tantas amoras:
Cresceram as silvas, os matos e as horas…
04-07-2005
Poemas de amor e dor
conteúdo da página
publicado às 01:54
(World Press Photo Contest 2004)
PENETRO NA NOITE SOMBRIA
(Romasi )
Penetro na noite sombria
e vejo gente ao lixo
apanhando o papel velho dos jornais.
Trazem notícias de guerra,
ânsia de paz…
arraiais…
Quantos só agora souberam da guerra:
Ou por que não a fazem!
Ou por que não aprenderam a ler os jornais...
Para quê?
Se não há dinheiro para os comprar!
Mas há, sempre uma mão
para trabalhar,
um saco vazio para encher
e a fome para matar…
Um carro desloca-se a pouca velocidade
O motor... parece falhar
com o frio que o arrefece.
Um gato afasta-se para salvar a vida…
O cão procura o osso…
que escondeu outrora…
para logo fugir
com medo de ser apanhado pela carroça…
O dia nasceu!
O sol já penetra nos vidros dos escritórios vazios
e os trabalhadores vêem pendurados nos eléctricos
superlotados de aumentos…
Agora já não andam ao papel
porque a vergonha chegou...
Agora gira tudo na monotonia do dia
E tudo faz parte da vida…
Lisboa, 1967
Poemas de amor e dor
conteúdo da página
publicado às 22:20
INQUÉRITO
(Romasi )
A vida é uma monotonia
E a um passo fica distante.
É um momento que foge
É o preto, é o branco…
Encontro um tísico
Que me diz:
Que a vida é um escarro
Sugador de sangue…
Olha para o chão
E cospe a vida…
A vida é como uma flor
no jarrão
Secará
se faltarem as raízes…
O rico diz que a vida
É uma manhã cheia de sol
Que ele encontra quase sempre.
E vem o lavrador
Diz que a vida é um arado
Sabe que vive
Que importa isso?
Se tem um arado e um caniço
Um filho na guerra, seu desgosto,
Umas quantas vacas
E uma cor terrena no rosto
O senhor General
Diz que a vida
É comandar exércitos
P´ra defender horizontes fechados…
Saiu e oiço vomitar um canhão…
pum!
E o hippy dedilhando uma viola
Canta que a vida é uma flor
É uma canção de amor
É a viola dele
Que é minha também!
Paro,
frente a uma multidão
Todos querem falar
Poucos querem ouvir
Então, afasto-me,
Espero pelo amanhecer
Para que a noite venha depressa!
Lisboa, 21/02/1969
Poemas de amor e dor
conteúdo da página
publicado às 22:07
CHAMARAM-ME COMUNISTA
romasi
Rogério Martins Simões
A pouca luz dos candeeiros
escondiam a raiva cerrada
nos dentes dos prisioneiros.
Ai se eu pudesse falar
Beijar os seios nus
da liberdade
Ai se eu pudesse romper
os cadeados da injustiça
e tingir de sangue
Os lençóis de linho dos cobardes.
Por aqui vou andando
meu pai.
Escrevo esta carta
que não irá receber
Carta imaginária
sem papel ou tinta
Acabei por confessar
o que nunca pensei!
Acabei por assinar
o que não sei!
Chamaram-me comunista!
Que é isso meu pai?
1973
Poemas de amor e dor
conteúdo da página
publicado às 00:00