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NUVEM
Rogério Martins Simões
Havia uma nuvem que enfeitiçava,
Distendi as minhas asas e ceguei,
E quanto mais perto dela chegava,
Mais afastado, de mim, eu fiquei.
Cheguei a pensar que passava…
Mesmo passando o que passei…
Quando o vento com ela dançava,
Perdido, de mim, não mais me achei.
Pela calada da tarde desaparecia…
Era tarde e tão cedo que nem via
Que o silêncio, na noite, madrugava…
E quando a noite adormecia vestida,
Lamentando a minha triste vida,
No revés dos seus olhos chorava.
CAMPIMECO, Meco 10-09-2012 16:14:41
ZUMBIDO
Rogério Martins Simões
Lá fora,
No colar da escuridão,
Percute o vai e vem
Das ondas do mar.
Mandei calar o vento
E o mar amainou.
Pedi silêncio à coruja
E ela acordou.
Veio o mocho
E acabou por anuir.
Lá fora
a noite nem é de grilos...
e não consigo dormir!
Aqui, nos meus ouvidos,
Um zumbido ruidoso
Corrompe este pacto de silêncio.
Amanhã,
Ordenarei ao mar
E ao vento,
Ao mocho, à coruja
E ao sino do templo,
Que não deixem silenciar a noite.
A minha noite
Não é só de grilos...
Espasmos dolorosos pulsam
E não me deixam sossegar.
Lisboa, 07-02-2010 22:36:39
(Diálogos da alma e do poeta: diário de um doente de Parkinson)
VOLTO A SACUDIR OS OLHOS…
Rogério Martins Simões
Volto a sacudir os olhos na escrita.
Por agora tenho o caderno e a mente.
Tenho tudo para ser feliz
Por ora
Uma criança chora!
Chora, não sei.
Chora sempre!
Deram-lhe tudo para ser feliz…
Quem mente?
As ondas varrem a cidade
Que flutua
Num extenso areal adornado de adereços…
Volto ao caderno.
Não escrevo!
Ligo palavras, sílabas.
Que sílabas?
Tinha tudo para ser feliz,
Por um tempo inútil,
Onde tudo não passou
De uma forte gargalhada de dor.
Doem-me as palavras rasgadas,
Tramadas.
Dói-me esta dor que se expande num tempo
Que me tinham reservado para ser feliz.
Sigo no tempo
Ou pegarei no tempo a tempo?
Que sinto?
Alguém falou?
Alguém deu nas vistas?
As vistas curtas confundem as próprias vistas!
Não viste nada. Desandas!
Se ando por fora dos papéis voo nas vistas.
Se conseguisse andar daria nas vistas…
Estou sentado numa cadeia de ferros
Tenho o caderno afundado numa teia de ferro.
A ferro e fogo.
Já fui fogo.
Água e gelo
Gelo os meus pensamentos…
Que faço destas mãos?
Levaram as sementes do meu campo de trigo
Trinco sementes de girassol
Neste cantar de desabrigo…
Estou fechado no prédio móvel…
Que é meu corpo.
Que dilema:
Perdi as forças;
E estou num colete-de-forças…
Volto a olhar para dentro,
Olho o meu corpo,
Conheço a idade do meu corpo,
Não estou mal para a sua idade…
Que idade tenho?
Quero fugir de mim
E dão-me dose dupla…
Se conseguir sobreviver
Saberei viver?
Viverá quem já não goste da vida?
Que vida?
Fechada neste cadeado?
Movimenta-me a dose dupla,
Volto a andar:
Subo o patamar da mente;
E desço de andar na escrita…
Poucos Metros me afastam da meta
Onde já fui primeiro…
Voa, atleta
Poeta
De corpo inteiro!
Meco, 12 de Julho de 2009
(Registado no Ministério da Cultura
- Inspeção-Geral das Atividades Culturais I.G.A.C. –
Processo n.º 2079/09)