UM PÚCARO DE SAUDADE
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ALBANO ANTUNES SIMÕES
Albano Antunes Simões, irmão do meu avô António Antunes Simões, nasceu na Pampilhosa da Serra, (Vila no lugar da Aldeia Velha) no dia 10/7/1894 e faleceu a 17/1/1956 tendo sido sepultado no talhão dos Combatentes no Cemitério do Alto de S. João, Lisboa.
Filho de Francisco Simões e de Emília de Jesus, ele natural da Vila – neto paterno de José Simões da Vila e de Maria Leitoa.
Sua mãe Emília de Jesus, da Póvoa era filha de Bernardino Antunes e Maria de Almeida de Moninho.
Foi combatente na 1ª Grande Guerra 1914 – 1918 tendo sido ferido em combate.
(No centenário da Batalha de La Lys, para memória futura, deixo aqui o que sei sobre a participação do meu tio em França onde as tropas portuguesas foram derrotadas pelo poderoso exército Alemão. Em memória de todos quantos combateram e morreram na Batalha de LA LYS em 9/04/1918)
Rogério Martins Simões
Palavras e sentimentos; 84º aniversário do meu pai
Rogério Martins Simões
Em 2006, no 84º aniversário do meu querido pai, José Augusto Simões, escrevi e dirigi as palavras que seguidamente reproduzo
Dado que as mesmas são genuínas e dão uma perfeita imagem do meu pai resolvi colocá-las aqui, tal como o fiz em 2006 quando as editei no meu blog POEMAS DE AMOR E DOR.
Essas palavras já foram plagiadas, pois as encontrei assinadas por outras pessoas. Por isso lamento pois plagiar sentimentos é dor maior que a imbecilidade de quem se dá ao trabalho de plagiar.
E com isto não vos ocupo mais tempo. Espero que tenha sido capaz de expressar os meus sentimentos, e a minha admiração, para com um pai. Esta é a homenagem possível, e pública, que presto a meu pai que faleceu passados 10 anos com 94 anos de idade.
Rogério Martins Simões
Meco, 11/06/2017
PAI
Hoje, 19 de Maio de 2006, quis Deus que fosse o seu aniversário, e que aniversário meu Deus…: 84 lúcidos anos!
Pai eu sei que no seu bilhete de identidade consta ter nascido a 20 de Maio de 1922. Mas a essa data está errada!
Pai há tantas coisas erradas nos registos!
Se eu procurasse no Registo pela data do seu nascimento havia de ser o “bonito”.
E se eu insistisse, e dissesse que o pai nasceu no dia 19 em vez do dia 20, chamar-me-iam “teimoso” ou “louco varrido”.
É por isso que há por aí tantos loucos, encarcerados na sua sadia loucura, e se verdades dizem não passam de uns insanos.
Às vezes penso: se existem certos actos ditos de loucura, encarados e vistos como tal, eles têm como sublime vantagem de se concretizarem nos sonhos.
Não foram loucos os Santos, e tantas pessoas nobres que se despiram para oferecerem os seus trajes aos pobres!
Não são loucos os sonhadores de um mundo melhor, os que dedicaram toda uma vida a uma causa maior!
Foi loucura viajar no espaço da incerteza e aterrar no império do esplendor como o fez São Francisco de Assis!
Eu sei que sou um sonhador:
nem sempre sou o que pareço!
E se pareço ser o que não sou,
sou aquilo que bem conheço.
Dizia o poeta: que ser poeta é ser fingidor!
- Mas eu não finjo, obrigam-me a fingir!
- Eu não morro, obrigam-me a morrer!
- Eu não sofro, obrigam-me a sofrer!
E se sofrer tanta dor não compensa, ser solidário recompensa exigindo que a vida seja melhor onde a ela exista e aconteça.
Pai! Estas palavras são hoje inteiramente para si apesar de me ter perdido em deambulações.
Quando comecei a escrever, sem ter a menor ideia do que lhe iria dizer, sobravam-me as palavras. Agora, faltam-me as palavras que às vezes tanto me sobram. Mas tenho tantas palavras para si, meu pai!
Ainda há pouco, enquanto conduzia, latejavam-me os sentimentos e tinha na cabeça searas de pensamentos deambulando em movimento.
- Brotavam-me tantas emoções!
- Tantas lembranças!
- Tantas recordações!
Sabe, meu pai, herdei de si esta enorme fortuna que agora sei que desprezam: O sentido da honra; a sensibilidade; a humildade e acima de tudo a honestidade e se rico não fico, com esta riqueza tamanha, é porque me vejo aflito, quando aflito eu fico, para ajudar os seus netos.
Pai parabéns! Porque hoje completa 84 anos.
Como vê, desta vez, não me esqueci, se alguma vez esquecer o esqueci.
Que filho poderá esquecer um ser tão precioso como o pai!?
Recorda-se, meu pai, de nos declamar tanta poesia!?
Tantos poetas! Como este poema de “dia de anos” (ou desenganos), de João de Deus, que o pai recitava, sempre, em seus anos:
Acabo como comecei se acabar eu queria:
Faltam-me as palavras sobra-me a poesia.
Mil beijos deste seu filho,
Rogério Martins Simões
Lisboa, 19 de Maio de 2006
e 11 de Junho de 2017
SIGA A FESTA
Rogério Martins Simões
Continuo a pensar que a promoção deste quase abandono das terras do interior – da Beira Serra – foi, e é um grave erro político.
Quem conhece a Pampilhosa da Serra sabe que a maior parte da população é constituída por idosos. Quem lá vive, e conheceu o "antigamente", repara, apesar de algumas melhorias levadas a termo pelas Comissões de Melhoramentos e pela Câmara Municipal, que a juventude tende a "fugir", como sempre…
O desenvolvimento de um turismo "de ar puro", de "pura água cristalina", irá ter no futuro um enorme incremento e a Beira Serra tem todas as condições para ser um dos locais preferidos.
Mas um desenvolvimento não se pode fazer sem ter em conta a preservação dos sinais, dos locais, dos vestígios culturais de um povo. Perdoem-me: fico muito triste ao ver casas medievais arrasadas sem intervenção arqueológica. Salvaguardando a existência de carta arqueológica do concelho, que desconheço; considerando as notícias e os documentos históricos que nos dão conta daqueles locais terem sido povoados por povos primitivos, uma questão paira na minha cabeça: onde para o espólio arqueológico do Concelho? Talvez o defeito seja meu – tenho participado desde 1961 em trabalhos arqueológicos nomesadamente medievais e olho os sítios de uma maneira diferente.
Talvez me preocupe demasiado… com estes assuntos. Porém, tomem a devida nota: daqui a alguns séculos haverá pelas serras grupos de arqueólogos a procurarem o que indevidamente destruíram, deixaram destruir e irão destruir.
Não se culpe o povo! O povo que não dá valor a cacos velhos partidos.
- Ainda que fosse algum tesouro!?
O maior tesouro da Pampilhosa está no seu povo e nos sinais da sua presença – na sua riqueza cultural que se vai definitivamente arrasando.
Deixando estas considerações o Concelho da Pampilhosa da Serra carece de mais infraestruturas, de estradas sem curvas a ligar às grandes redes viárias. O Concelho na Pampilhosa da Serra, a Beira Serra, apesar de ser o pulmão de Portugal, e fonte quase inesgotável da água que abastece Lisboa e não só, não foi, nem é compensado, bem pelo contrário: é simplesmente votado ao abandono. Mais uma vez lhes digo: virá o dia em que a água terá mais valor que o então extinto petróleo e o ar será disputado pelos povos.
O Lar da Santa Casa da Misericórdia da Pampilhosa da Serra e a fixação de idosos às suas velhas aldeias é um exemplo a seguir e a fomentar. Existe acompanhamento e assistência no domicílio a idosos que, assim, continuam ligados às suas aldeias. Seguindo esta ideia, sabendo e conhecendo que muitas aldeias já estão abandonadas definitivamente, penso que poderiam ser apoiadas, essas aldeias e esses lugares, criando condições de vida para lá morarem os idosos que quisessem em vez de os colocarem em "silos". Falo concretamente em habitações - casas individuais ou coletivas com todas as condições. Falo em disporem de equipamentos de lazer, falo em investimento e em criação de postos de trabalho.
Dou mais uma vez o exemplo da aldeia onde meu pai nasceu, a PÓVOA. Os idosos que por lá vivem são bem mais felizes que os colocados em lares da terceira idade: Mulheres e homens jogam às cartas na casa do povo, semeiam e cultivam pequenas hortas próximas de casa e, agora que finalmente o Governo "acordou" para a injusta perseguição aos produtos tradicionais, talvez possam voltar a criar alguns animais para consumo caseiro, como sempre o povo criou.
Talvez volte a "petiscar" uma canja de galinha ou uns torresmos sem serem de "aviário".
Esta é a mensagem que vos quero deixar, num tempo de festas de verão, num tempo de aldeias e casas cheias. Pena que seja curto e novamente o povo trilhe os caminhos da diáspora.
Mas os tempos são de "mudança"! Siga a festa!
Lisboa, 5 de Agosto de 2008
Rogério Martins Simões
(Este texto foi escrito em 2008 e publicado na Pampilhosa da Serra)
(Nesta fotografia meu pai, minha prima e minha mãe)
AFASTAMENTO
O poema de hoje, AFASTAMENTO, foi escrito em 1974 quando nem sequer imaginava que um dia teria de colocar os meus pais num lar: No lar da Santa Casa da Misericórdia da Pampilhosa da Serra.
Entre as preocupações que me levaram a tomar esta dura decisão, mesmo com a anuência dos meus pais, estão os seguintes factos:
1º Desde Abril de 2016 meu pai, com 94 anos de idade, deu entrada na urgência do hospital de S. José por três vezes; No dia 1 de Abril foi-lhe diagnosticado a possível existência de um tumor no pâncreas que, até à data, não se confirmou;
2º Neste período esteve internado por 3 vezes num hospital de Lisboa com um quadro clínico grave;
3º Também minha mãe, com 91 anos de idade, nesse mesmo período de tempo, deu entrada pela mesma urgência com problemas respiratórios graves, um enfarte, e na última das vez esteve em coma quase 24horas. Para minha felicidade depois de tanto a acarinhar e lhe segredar ao ouvido, acordou… - Olha o meu querido filho Rogério!
4.º Entretanto, numa reunião, foi-me entregue um documento onde constava que meu pai seria admitido numa Unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, Unidade de média duração e reabilitação.
Pedi para ler o que ali estava escrito e recusei assinar em nome do meu pai tendo abandonado a reunião.
Essa recusa não era mera birra, era uma questão de direitos e liberdades dos doentes descritos no próprio impresso que li, tendo chamado a atenção para que fosse meu pai a decidir.
Recordei que meu pai detém todas as suas capacidades intelectuais e que nunca foi chamado para tomar qualquer posição sobre este seu assunto.
5.º Entretanto a minha mãe ficou à espera de ser integrada numa Unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, Unidade de longa duração e manutenção.
6.º Depois de lhes terem dado alta hospitalar vieram para a sua casa. Doentes e acamados, os dois, regressaram a um velho prédio que nem sequer tem elevador. Para uma velha casa sem um mínimo de qualidade onde todo o apoio era insuficiente e deficiente.
Foi assim que meu pai regressou à terra que o viu nascer, bem perto da aldeia de minha mãe – A Malhada – Colmeal.
Já no Lar da Santa Casa da Pampilhosa da Serra, constatei que existe ali muita humanidade, e muita doação, independentemente da qualidade e do profissionalismo dos seus mais de 40 trabalhadores.
Meus pais foram colocados no mesmo quarto e eu estava muito feliz com isso.
Entretanto chegou ao meu conhecimento que a minha mãe seria transferida para a Unidade de Longa Duração, ali perto, colocando em risco o seu Lugar no Lar bem como a alteração de comportamento de meu pai.
A minha maior tristeza foi por ter cedido… à colocação da minha mãe nos cuidados de saúde continuados de longa duração – seis meses - tendo desta forma contribuído para os separar. Meus pais não queriam ficar separados, viveram mais de 69 anos juntos e só a morte os poderia afastar.
Vou concluir. O que passámos nestes últimos 3 meses é inarrável, dói! Dói muito.
No meu caso e por muito mais que o faça, nunca conseguirei pagar o que os meus pais fizeram por mim. Mas foram tantos aqueles a quem meus pais abriram as suas portas, e cedido a própria cama, que chega a ser triste que nem uma só visita lhes faça.
E eu que ouvi e vi meu pai chorar, quando pela 3ª vez os fui ver à Pampilhosa da Serra, também chorei.
Lisboa, 27/07/2016 02:00:01
AFASTAMENTO
Rogério Martins Simões
Separaram nossos corpos, mulher,
Na idade em que preciso de ti!
Cresceram os nossos filhos
Cresceram, levou-os o vento,
Agora estamos sós:
Velhos do nosso tempo.
Apartaram nossas vidas
Em lares da terceira idade
Vivemos a longa distância
Indiferentes, por caridade…
Pareço namorar-te
Agora que bem te conheço.
Tenho-te no pensamento,
Longe de ti, não te esqueço.
Separaram nossos corpos, mulher,
Espero todos os dias por ti!
Se ao menos viesse o dia
Da nossa partida final,
Haveria mais alegria
No nosso amor imortal.
Juntos na mesma terra...
Tu e eu a recordar…
Os tempos em que lá na serra
Começámos a namorar.
Juntaram nossos corpos, mulher,
Às alfaces verdejantes…
10/1974
ROGÉRIO MARTINS SIMÕES
(O POETA ROMASI)
Rogério Martins Simões, o “Poeta Romasi”, nasceu em Lisboa, nasceu em Lisboa, na Freguesia do Socorro, no dia 5 de Julho de 1949, de uma família oriunda do concelho de Pampilhosa da Serra.
Casado em segundas núpcias com Elisabete Maria Sombreireiro Palma a musa inspiradora de tantos e tantos “Poemas de amor e dor”.
Tem 2 filhos, o Rogério Alexandre, nascido em 1970 e Ana Lúcia nascida em 1972. O neto Alexandre Filipe Simões Silva de 9 anos, como “romasi” diz, “é a luz da minha vida”.
Actualmente trabalha na Direcção Geral de Alfândegas onde é Reverificador Assessor Principal, mas em tempos idos já viveu numa espécie de clandestinidade ouvindo no “silêncio” Zeca Afonso entre outros.
Como ele diz, ”Gosto muito da Pampilhosa e das suas gentes e amo a minha querida Póvoa e as suas gentes, afinal quase todos parentes.”
Mas nada melhor para apresentar este serrano, que nos delicia com poemas que muitas vezes têm a cor dos segredos que ao longo das rimas nos desvenda, do que passar a palavra ao mestre, para que da própria “pena” saia tudo quanto queremos saber, desta alma que não pára.
“Na década de 50, 60, do século passado, as regiões mais pobres de Portugal começaram a ficar aos poucos abandonadas. A vida era dura, as condições para se viver nesses locais foi-se degradando e os povos emigraram para outros países onde a vida lhes poderia dar outras oportunidades.
Ao mesmo tempo, aqueles que não se aventuravam à diáspora, engrossavam a mão-de-obra com que se ergueram as cidades novas e redimensionaram as que existiam.
Naquele tempo visitava a aldeia do meu pai, dos meus avós, com a frequência das férias grandes, e convivia com muitos nascidos ou oriundos daquela aldeia.
Ao escrever este pequeno diálogo procuro testemunhar, colocando no tempo àqueles que o lêem, pese embora todas as dificuldades sentidas, todas as carências, nomeadamente a falta das vias de comunicação e tudo mais, nem um só momento do tempo que ali passei me senti infeliz.
Pelo contrário, fazia-me bem meter as mãos na terra, ajudar a regar as leiras, a debulhar o milho, a apanhar os cachos, a apanhar fetos para as camas dos coelhos, mato para as ovelhas e porcos, de recolher os ovos para os bolos da festa do 3 de Setembro.
É claro que ao interagir com os meninos nascidos e criados na aldeia significava que estava a colidir com os deveres desses meninos homens e, deste modo, sem querer, alimentava conflitos entre eles e seus pais. O meu trabalho era uma festa em vez de obrigação. O trabalho dos outros meninos era regra e assim encarado por eles com sacrifício.
Hoje resta a saudade de um tempo menino e jamais esquecerei as traquinices e os amigos que lá deixei - alguns dos quais já partiram.”
SERRAS – Porquê “Romasi” ?
ROMASI - ROMASI é um pseudónimo, aquele com que assinava a minha poesia e resulta da aglutinação das duas primeiras letras do meu nome.
SERRAS – Quem é o Rogério Simões?
ROMASI Tal como aprendi o meu nome, sem eu ter a consciência de que o estava a interiorizar, aprendi muita coisa quando eu tinha todo o tempo do mundo...
Nessa época os meus pais, mesmo sem vagar, eram de uma completa dedicação aos filhos. E os avós, quem os tinha, ensinavam aos meninos os contos mágicos, inscritos no “livro dos pensamentos”, que lhes tinham sido transmitidos oralmente pelos seus antepassados.
Há sempre tempo para tudo, digo eu, e na luz irradiante da família aprendi a amar e a ser amado; aprendi a respeitar e a ser respeitado; aprendi a ser feliz e a tentar contribuir para a felicidade do outro; aprendi a acatar e a escutar os mais velhos; aprendi a dar valor às pequenas coisas, e, como os meus pais davam tudo o que podiam e não podiam, aprendi a ser solidário.
Depois, ainda havia a minha madrinha. Era a irmã mais velha de meu pai, a Maria da Nazaré Simões, trabalhava nos Hospitais Civis de Lisboa - no Hospital de Arroios e como ela descobri que existiam seres humanos que sofriam. Mas como era menino, corria pelos claustros do hospital, brincava com os meninos doentes às escondidas enquanto a minha tia-madrinha atendia e tentava aligeirar o sofrimento dos doentes.
Como estava a dizer, eu tive verdadeiramente uma madrinha! E como madrinha substitui os pais, levava-me a visitar os acamados a quem emprestava o único rádio que tinha para lhes aliviar as dores.
Era assim: dava-me rebuçados (ficava todo lambuzado), aturava-me enquanto meus pais iam trabalhar e ensinava-me que até a dor pode ser aliviada escutando um belo fado da Amália...
“R” mais “o” é RO; “g” mais “é” GÉ; “r” mais “i” é RI mais “o” com o faz ROGÉRIO, assim me ensinava a escrever a minha professora primária, a Dona Susana, da “Escola Republicana de Fernão Botto Machado”.
Gosto do meu nome embora seja invulgar. Aprendi que dava jeito, pois, quando era chamado a exame, éramos ordenados por ordem alfabética, e havia mais algum tempo para estudar. Tinha os seus inconvenientes: estava sempre no fim da lista e de tanto esperar, desesperava, aproveitava para roer as unhas...
Há sempre tempo para tudo – digo eu.
Existiu um tempo para ser desejado - sem dar por isso! Um tempo para ser amado - sem dar por isso! Quando dei por isso tive, e ainda tenho felizmente, todo o amor e o carinho dos meus pais.
Vou parar por aqui. A minha ascendência é significativamente a razão da minha conduta, da minha decência, da minha consciência.
Tive e todos nós tivemos tempo para tudo…
Errei, levantei-me! Escutei sempre o coração! Empenhei sempre a alma controlada pela minha consciência. Voltei a errar e voltei a erguer-me aprendendo sempre com os meus próprios erros.
Reconheço os disparates que fiz! Todos os fazemos ao longo das nossas curtas vidas. Mas a minha glória está em reconhecer os meus defeitos, combatendo os meus erros, sublimando as minhas atitudes de comportamento que não se reviam ou revêem na herança do meu sangue e/ou na educação que recebi dos meus pais.
Rogério Simões é fruto de tudo isto e tem a humildade de um serrano! Porém, nunca serei um homem pequeno...pois nunca foi minha a intenção de o ser.
SERRAS – Quando e como surgiu a apetência pela poesia?
ROMASI - Comecei bem cedo a escrever poesia por “culpa” do meu querido pai, José Augusto Simões e com a cumplicidade de minha mãe que não sabia nem sabe escrever - mas isso são contas de outro rosário - pois às mulheres era quase negado o direito a estudar.
Dizia eu, ou estava para dizer, vivi numa humilde casa em Lisboa, paredes-meias com a “feira-da-ladra”, onde fui crescendo, escutando e observando…
Comecei por aprender que a poesia cresce com a alma e escreve-se com amor e isto ensinou-me o meu querido pai: José Augusto Simões, homem culto, simples, honesto, solidário, bom marido e bom pai.
Sobre o meu pai já escrevi o “insuficiente”, pois todas as palavras ou poemas não chegam para lhe dedicar.
Nasci em Julho de 1949 e nos anos 50 eu era ainda menino.
A casa de meus pais, nesse tempo, “fervilhava” de familiares e amigos que deixavam as suas aldeias, da Beira Baixa, em busca de uma vida melhor. Meu pai e a minha mãe recebiam-nos cedendo, mesmo, a sua própria cama. E foi assim até há poucos anos.
Dormia-se por tudo o que era canto - por turnos - pouca sorte partir, pouca sorte chegar…
Meu pai, pequeno comerciante de sacos usados, nada tinha e tudo dava. A minha mãe aceitava e dava tudo sem nada querer em troca.
À noite, mesa cheia - naquela mais humilde casa – ouvia contar ao meu pai as histórias de fantasia e de encantar da nossa aldeia, contos que preencheram o imaginário da minha infância. Depois vinha a sua poesia e a poesia dos grandes poetas tão bem declamada por meu pai a quem todos com prazer o escutavam.
Era assim: como não havia rendimentos para comprar e servir a sobremesa, meu pai, substituía-a por poesia!
Fui crescendo, (não vos quero maçar), para abreviar, iniciei-me na poesia pela caneta de meu pai. Eu - ou melhor o meu pai - ganhava todos os prémios de poesia nas escolas por onde andei.
Nos anos 60 do século passado escrevi, por minha mão, os meus primeiros poemas com a alma do meu pai e Já nesse tempo a minha poesia, a nascer, versava a vida com as cores do dia-a-dia.
Contava o que via, ou o que não deveria dizer, e o que via era triste – mas isso são contas de outro rosário em que tudo era proibido.
SERRAS – Acabou de falar nos que chegavam da Beira a casa dos seus pais. Eram pessoas de Pampilhosa da Serra, e lembra-se de alguém em especial?
ROMASI – Um dia o Ti-António do Vale Serrão disse para o meu pai – José Augusto: És tu em Lisboa e eu lá na Póvoa - há sempre comida para mais um!
Tal como dizia o Ti-António do Vale Serrão, todos eram bem recebidos ou acolhidos e havia sempre mais um prato para colocar na mesa.
Ali viveu a Palmira Terceiro, de Pessegueiro e o seu marido, o Manuel Bastos, pais do Vitorino Bastos, o Bastos do Sporting Clube de Portugal. É curioso! Vivemos lado a lado durante um ano: ele num berço! Eu numa pequena cama em madeira, pintada de azul, com grades! Ambos viemos a ser atletas do Sporting: ele no futebol; eu no atletismo.
Citei este caso por curiosidade. A casa dos meus pais estava sempre cheia de parentes e amigos.
Respondendo à questão: as pessoas que por lá passaram e que mais me marcaram foram: Os meus primos: o José Maria Antunes, que tanto me aturou, desde o meu nascimento até 1961 - ano em que partiu para França, e o José Augusto Simões Gaspar, desde 1959 até 1970.
Faço uma referência muito especial às visitas que o nosso tio Manuel Nunes de Almeida, tia e primos nos faziam todos os anos. Era a visita sempre esperada! Natural da Malhada, Góis, meu tio, irmão da minha avó materna, fora bem-sucedido nos negócios em Lisboa, então, nos dias que antecediam o Natal e a Páscoa, visitava todos os sobrinhos os quais ajudava financeiramente.
A grande lição que o meu tio nos deu, e deu aos seus filhos, foi que a solidariedade não é palavra vã! Fazia questão de mostrar e dar a conhecer ao meu primo, que tinham uma tia e primos a passarem por sérias dificuldades. A nós, seus parentes menos afortunados, ensinou que nunca se deve abandonar ou ter vergonha da família em que circunstância for. Quem vive melhor não deve estar à espera que lhe peçam esmola, deverá abandonar a sua casa e ir ao encontro dos mais necessitados.
Foi assim que passei a vestir a roupa usada do meu primo, Luís Manuel César Nunes de Almeida, que faleceu em 6/9/2004 no desempenho de um alto cargo da Nação - Presidente do Tribunal Constitucional.
Uma nota final: fomos sempre amigos, nunca cortámos o elo que nos ligava e estive presente na cerimónia fúnebre de Estado - nem uma só “cunha” lhe meti… Ele também era assim! Sofreu um enfarte do miocárdio, em Espanha, e nem sequer disse aos que o socorreram que era uma das principais figuras de Estado -Presidente do Tribunal Constitucional de Portugal.
Claro que me recordo das centenas de parentes e amigos que lá viveram ou simplesmente o visitaram. A casa tinha vida!
Um especial carinho e admiração para a minha querida tia, Emília de Jesus Alexandre, de Moninho, que se deslocava do Pátio do Carrasco à nossa casa para nos tirar o “quebranto”.
Que fascínio exerceu, em mim, a tia Emília, do Pátio do Carrasco!
- Rogério! “Unge as mãos e os pés”!
E ali ficava sentado num banco rente ao chão, costas direitas e joelhitos bem unidos.
- O rapaz tem “cobranto” e rezava…
Depois minha mãe fazia um defumadouro e eu respirava os cheiros ancestrais dos contos mágicos do meu pai…
SERRAS – Soubemos por amigos que é delicioso ouvir o que lhe foi transmitido por seu pai, coisas de crendices e tradições. Pegando em, “...eu respirava os cheiros ancestrais dos contos mágicos do meu pai…”, não quer partilhar com os nossos leitores um pouco dessa cultura tão esquecida?
ROMASI - Mais uma vez quero agradecer a referência que faz ao meu querido pai. José Augusto Simões, exímio contador de histórias e não só. O meu pai foi o melhor aluno da Pampilhosa da Serra, nos anos em que lá estudou, tem 85 anos, está vivo e recomenda-se.
Tentando responder a esta questão, terei de contar a história que mais me intriga e encanta: “a morte anunciada da minha avó, a “Ti-Mariquitas”, tantas vezes contada por meu pai.
Falar na minha avó, que nunca tive o prazer de conhecer e de a abraçar, é falar de uma grande mulher, de uma boa mãe, de uma mulher inteligente, é falar de amor. Tal como já escreveu o Dr. António Ramos de Almeida, a Póvoa teve desde sempre estóicas mulheres. Infelizmente, o primo António, deixou de publicar as suas memórias em “Ecos da Póvoa”, numa coluna que eu lia de um sopro, intitulada “Alpendre de Santa-Eufêmia”.
Mas essa história começa assim:
Era uma vez um menino órfão que bem cedo abandonou a sua aldeia – A Póvoa – Pampilhosa da Serra.
Deixou para trás a bola de trapos, os companheiros de escola, da brincadeira e do trabalho; as pessoas a quem lia e escrevia as cartas e o trabalho duro da aldeia.
Era muito cedo a manhã. A sua mãe, doente, rezou consigo as últimas orações e entregou ao menino um saco de pano com as poucas “roupitas coçadas” e um naco de broa para disfarçar a fome na viagem.
Trazia consigo a vontade de vencer e na bagagem a mocidade perdida.
Tinha e tem uma memória espantosa!
Carregava no pensamento a aventura. Era responsável e “magicava” por uma vida melhor: secreta ilusão de quem foi incapaz de renegar a educação…
Percorreu a pé grande distância que o separava da camioneta e soletrava, palavra por palavra, os últimos conselhos de sua mãe.
-Filho: A humildade é filha da virtude! Deves respeitar toda a gente: tanto os mais novos como os mais velhos. “O bacorinho manso mama em sua mãe e na alheia! O bravo nem na sua chega a mamar”
Finalmente, o comboio a carvão que apanhou na Lousã e, no dia seguinte, chegou à cidade que a partir daí chamou de sua.
Lisboa, nesse tempo, agitava-se de trabalhadores migrantes na sua própria Nação.
A Europa estava em guerra, mas o menino disso pouco sabia. Recordava-se de um velho parente escutar a telefonia, às escondidas, e de ouvir falar nisso em surdina. Tão pequeno e já “alombava" os cabazes da mercearia:
- Que importa se já estava habituado! Afinal os passeios eram melhores que o caminho das cabras.
Mas sonhava! Todos os meninos sonham!
Às vezes, ainda há pouco se tinha deitado e já estava levantado para voltar a carregar as mercearias. E, enquanto subia as escadas mais íngremes, rezava à espera de um milagre que trouxesse de volta a escola para um dia ser “doutor”.
Mas sonhava! Sonhava, digo eu: pois o sonho é toda a compensação na vida de quem sofreu.
O menino queria estudar! Ser alguém! Mas a tragédia tornou a voltar, numa Terça-feira, quando soube da morte de sua mãe lá na Aldeia!
Nas vésperas, houve uma grande azáfama na Póvoa!
A sua mãe, de nome Maria Ascenção Ramos, fez questão em anunciar, nessa Sexta-feira, que no dia seguinte partiria numa viagem para o Céu…
E disse à irmã do menino:
- Laura vai chamar o “Ti Manuel Barrocas” para me tirar as medidas e fazer o meu caixão.
A irmã do menino chorava, não queria ir - mas foi!
Chamou de novo a irmã do menino, e disse:
- Laura! Limpa muito bem a casa e logo, quando acabares, vai chamar o Povo.
Mas a menina chorava, enquanto limpava a casa com a vassoura de carqueja.
Por fim, lá foi de casa em casa transmitindo a mensagem da "Ti Mariquitas” e o povo da Póvoa foi em peso sentir o peso das palavras de despedida da minha avó.
O dia finava, era um Sábado (12 de Março de 1938), fim anunciado da mãe do menino.
Dizem que a sua mãe se despediu de todos - pediu perdão de todas as suas ofensas, se ofensa alguma vez tivera para com alguém.
Dizem que nessa tarde, de Sábado, terá dito para as pessoas que ali estavam:
- Já me sinto satisfeita, tenho aqui muitas pessoas queridas que já morreram ao meu lado. O meu filho à cabeceira! A minha filhinha ao meio e a minha irmã aos pés. Deus está a entregar-me uma mão! Eu entrego-Lhe as duas. – E morreu!
Faço aqui um parágrafo. Toda esta história não é uma “estória” ou uma fábula.
Recordo-me do menino, já pai, meu pai, contar que a sua mãe, a minha avó, ainda terá dito:
- O meu filho escreveu-me hoje uma carta! Mas eu já não a vou receber. Vou morrer hoje e a carta só vai chegar na segunda-feira.
Minha avó faleceu nesse Sábado no dia 12 de Março de 1938,foi sepultada na Pampilhosa da Serra, a um Domingo como ela sempre pediu ao seu “DEUS”.
Meu pai só recebeu a notícia por carta, na mercearia da Rua do Grilo, na Terça-feira dia 15 de Março de 1938.
Tudo isto foi-me contado em menino por meu pai e confirmado por parentes que presenciaram estes factos em vida.
A resposta já vai longa e tenho de abreviar. Desde muito cedo que escutei histórias relacionadas com “aparecimentos” e, de tanto as ouvir contar, até nos parece que vemos coisas, que sabemos ou pensamos ser, meras ilusões ou visões imaginárias. Sobre isto nada tenho a acrescentar.
Tal como a minha avó fazia, meu pai rezava sobre a minha cabeça as mesmas orações que a minha avó lhe rezava. Algumas são autênticas “ladainhas” e nunca as consegui decorar. Havia uma que era rezada três vezes e era assim: Cruz digna, cruz magna, coisa que Deus fez em si, coisa má não venha aqui. E rezava, três vezes, o Pai Nosso”.
O cobranto, na Póvoa, era tirado a animais e pessoas. Punham água dentro de um púcaro de barro e numa pequena fogueira queimavam quatro paus. Quando estavam em brasa agarravam os paus, com uma pequena tenaz, que deixavam cair na água e rezavam orações já perdidas. Quando os paus vinham ao cimo da água o cobranto já tinha passado.
Existiam tradições bem interessantes e quiçá ainda conhecidas das pessoas da Póvoa. O Dia de Santa Cruz.
Em Maio as pessoas da aldeia faziam cruzes, em madeira, que colocavam em todas as hortas que tinham cultivado.
Já disse que foi com muito labor e sacrifício que este nobre e valente povo construíram as hortas. Com esta tradição procurava-se pedir a protecção divina para que as trovoadas, de Maio, não causassem enxurradas e não destruíssem as terras.
Por falar em trovoadas, quando as havia e eram fortes, as mulheres da aldeia rezavam orações a interceder pela preservação das suas casas e das casas dos vizinhos.
Bem interessante era o ritual do oferecimento de luz aos mortos.
Quando morria alguém na Póvoa iam de todas as casas para o velório. Todas as mulheres levavam uma candeia de azeite acesa, que depositavam na sala onde estava o corpo, para iluminar a alma do defunto. Depois, todos rezavam o terço durante a noite que ofereciam por sua alma. Arremata o meu pai que nesse dia a família não fazia comida e que era oferecida pelos vizinhos.
Já no Carnaval “corriam o Entrudo”. Dois rapazes, um de cada lado da casa visada, ou da povoação, tocavam cornetas, com bastante sonoridade, e proclamavam alto e a bom som factos divertidos, de escárnio e mal dizer, relacionados com pessoas daquela casa ou da aldeia.
Tal como noutros locais existiam as “Janeiras”.
O grupo era composto por homens e rapazes. Tocavam guitarras, harmónios, ferrinhos, e percorriam toda a aldeia, cantando, parando em todas as portas, com o fim de obterem chouriços, carne ou lombo de porco, vinho e outras iguarias.
O meu pai recorda-se de uma quadra que contavam e era assim:
“Senhora que está á fogueira
Assentada na sua cortiça
Deite a faca ao seu fumeiro
E traga já uma chouriça.”
Esta recolha de alimentos tinha por finalidade realizar um grande banquete comunitário, em dia de reis, e acabava tudo em festa.
Mais uma vez se nota aqui a unidade deste povo que, ainda, perdura noutras tradições.
Finalmente uma tradição que muitos, como eu, conhecem quase sem dar por isso. Tenho pena que não se tenha mantido nestes novos tempos de alheamento total.
Diz o meu pai que quando qualquer pessoa saía da Póvoa, isto é, quando se ausentava por muito tempo, a pessoa que deixava a aldeia ia a todas as casas dizer adeus até ao seu regresso.
Quando voltavam à aldeia da Póvoa iam, os que lá estavam, à casa do que tinha chegado para o cumprimentar.
Quanto às “mezinhas” era hábito enraizado em todos os Beirões. Os serranos tinham por hábito curar as suas “maleitas”, ou seja doenças diversas, com diversas flores e plantas. Utilizavam a flor de laranjeira; a carqueja; o sabugueiro; a marcela; folhas de oliveira; o alecrim; a erva-cidreira; as urtigas; hortelã e outras. Para curar a constipação utilizavam as papas de linhaça que num pano colocavam no peito, mas sempre quente, e bebiam aguardente com mel.
Para as dores do corpo esfregavam-se com aguardente de mostarda.
CONTINUA.
José Augusto Simões
MEU QUERIDO PAI
O autor deste trabalho
nasceu na Póvoa - Pampilhosa da Serra em 20 de Maio de 1922
Meu Pai
António Antunes Simões
Nasceu na Pampilhosa da Serra
Abril de 1881
20 de Maio de 2008
Pai!, como vê fiquei acordado até tarde para passar a limpo e publicar o seu último poema no dia em que fez 86 anos de idade.
Todo feliz, aí, na sua Póvoa, na sua Pampilhosa da Serra! Com que então veados e gazelas?
Feliz aniversário meu querido pai e que a vossa presença, meus pais, continue a encantar as nossas vidas.
O seu filho mais velho
BEIRA SERRA
Conheço a Beira Serra
É bonita não é feia
Montanha, montes e vales
Muita terra e pouca areia.
Os matos dos seus terrenos
Cheios de encanto e beleza
Todos ali foram criados
Pelo poder da natureza
Falando da sua existência
Não é uma palavra em vã
Toda a Beira Serra começa
Na linda vila da Lousã
Chegando ao Vilarinho
Começa a subir e não erra
Três Concelhos se juntam
Góis, Arganil e Pampilhosa da Serra.
Três serras bem conhecidas
Fazem a Beira mais bela
Serra da Lousã e do Açor
E a linda serra da Amarela
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(Óleo sobre tela Elisabete Maria Sombreireiro Palma)
(Rogério Simões)
(Malhada, Colmeal, Góis 1953)
ARREPIAM-ME AS LEMBRANÇAS
Rogério Martins Simões
Arrepiam-me as lembranças
Das manhãs descalças…
De um corpo fino
De um bibe com alças:
Memórias de um tempo menino.
Sou alérgico às memórias ingratas!
Clarabóias deixam passar a luz,
Que derrete o gelo indeciso
Por onde passou um tempo preciso,
Das coisas belas e gratas.
Sou um vestígio dos umbrais
Que sustêm o peso dos meus sonhos.
Tento viajar com os olhos cerrados
Por um campo milho verde
Com bandeiras a tocarem o céu…
Vou jejuar!
Não comerei os figos
Bicados pelos gaios…
Procuro na horta os abrigos
Onde a distância dos Maios,
Dissipam as canas dos trigos…
Toquei na colmeia por querer!
Sou um sopro de saudade
Favo de mel com a minha idade
Picado de abelhas ao alvorecer…
Cheguei ao fim dos silêncios
Onde as memórias são silenciosas.
E os silêncios para contemplar…
Quem vos disso
Que tinha de atalhar os caminhos
Na horta adulta…
Se me resta um pedaço de água pura
E um púcaro vazio para a apanhar….
Lisboa, Tejo, 18 de Outubro de 2007
(Poema dedicado à Beira Baixa -- ao povo Beirão - à Póvoa - à Pampilhosa da Serra e à Malhada)
(Foto minha com 22 meses, 1950)
Nota de agradecimento
Este blog foi criado em 6 de Março de 2004. (Já nem me recordava da data)
De então para cá já teve mais de 2 milhões e 500 mil acessos e tudo se fica a dever àqueles que se revêem na minha poesia, nos poemas de Efigénia Coutinho e de Daniel Cristal a quem agradeço mais uma vez, sem esquecer a pintora da casa - Elisabete Sombreireiro Palma.
Não foi fácil! Não é fácil manter um blog sofrendo de Parkinson, observando, cada dia que passa, uma maior dependência e tentando superar as barreiras que a vida nos coloca. Para superar esse combate tenho contado com a preciosa colaboração, amor e dedicação da minha esposa e pintora Elisabete Maria Sombreireiro Palma e de muitos amigos, nomeadamente do Brasil. Não irei desistir facilmente! Acredito na cura para a Parkinson e agradeço àqueles que lutam por mim.
Ao Sapo que ao longo destes 4 anos já me distinguiu várias vezes quero mais uma vez agradecer. Nunca mudei do Sapo, esta foi a casa que me acolheu. Durante 18 meses o meu blog ocupou os primeiros lugares do Sapo e tinha, então, cerca de 3000 visitas diárias. Hoje tudo é diferente, para melhor, apesar de ter em média entre
Àqueles que não visito apresento as minhas desculpas! Não dá mesmo! A luta contra a Parkinson é tremenda e só o muito amor que tenho pela poesia me obriga a continuar.
Se escrevo poesia sofro! Mas, se não escrevo morro!
Obrigado a todos.
Com muito amor e muita paz.
Com muita tristeza e pesar pelo que está a acontecer mais uma vez ao povo do TIBETE, sou,
(Óleo sobre tela Elisabete Maria Sombreireiro Palma)
2008
VOO NAS MEMÓRIAS DO MEU PAI!
Rogério Martins Simões
Voo nas memórias do meu pai
que conta, sem conto,
os contos da nossa aldeia.
Era menino
e certa noite ao luar,
minha avó,
de nome Maria,
ensinava meu pai a contar.
Pairo nas memórias do meu pai
que conta, sem conto,
os contos da nossa aldeia.
Era menino
e todos os dias ao jantar
contava para mim,
histórias de fantasia
e de encantar:
“Irmãos éramos três,
Nazaré, Laura e José.
Minha mãe a todos nos fez
de coragem, força e muita fé!”
Recupero aqui
as memórias d0 meu pai
que hoje eu conto
porque me encanta!
Era uma vez, na nossa aldeia,
na Póvoa ao fundo do lugar,
minha avó que era uma santa,
ensinava meu a pai a rezar.
Ave-maria.
30/9/98
(A minha avó, Maria da Ascenção Ramos)
(Meu pai)
O Trabalho agrícola na nossa aldeia, a Póvoa, nos anos 40 do século XX
(texto da autoria do meu pai, e meu mestre de poesia, quase a concluir 86 anos)
Começo pelo primeiro trabalho que se fazia naquela época.
Todos os dias, quase todos os homens que lá estavam, e algumas mulheres, iam cortar um molho de mato. Carregavam-no às costa para os currais do gado ou para colocar nas ruas que serviam de estrumeiras.
Havia também, embora em menos quantidade, quem fizesse o transporte em carros de bois.
Este mato, depois de podre e bem curtido, fazia-se em estrume para adubo das terras de cultivo.
A primeira sementeira que se fazia era a do centeio, semeado em terras de sequeiro e nos alqueives, não levava rega nenhuma. Era semeado em finais de Dezembro ou princípios de Janeiro, e ceifado no mês de Julho. Era atado. em molhos e ficava no campo para secar bem. Depois, era todo malhado no Largo da Capela de Santa Eufémia.
Para malhar, era costume ter a participação de oito (8) homens, quatro de cada lado, cada qual tinha o seu "mangualde" com que malhava o centeio até sair todo o grão.
Depois disso, era levantada a palha com uma forquilha e atada em molhos que se guardavam nos palheiros.
O centeio, que ficava no chão, era tirado com uma vassoura própria, até ficar limpo. Além disto era ajoeirado ao vento, mas, mesmo assim, ainda era lavado e, depois, seco ao sol. Só depois estava pronto para ir. para o moinho.
A preparação do recinto de malhar, neste caso o Largo da Eira ou da Capela, também obedecia a certos rituais.
O largo era todo bem varrido (mais que uma vez) e barrado com fezes de bois (bosta), até agarrar bem. Esperava-se que secasse, estava então pronto para a malha.
Retomando as sementeiras, o cultivo seguinte era o do milho.
O milho era semeado nos meses de Março e Abril. A terra era lavrada ou cavada e, depois, gradada ou arrasada até ficar plana para lhe ser espalhado o estrume. Ao fazer os regos, o chamado acto de marejar, o estrume ficava alagado na terra junto com o grão do milho.
Quando o milho já estava crescido era sachado e, depois, arralado, quer isto dizer, compassado como devia ficar para criar espigas como deve ser. Depois disso, eram feitos regos para passar a água em leiras, para regar de forma uniforme todo o milho. Antes, porém, era todo empalhado com mato para segurar a terra.
Quando o milho já estava criado, assim como as espigas, era-lhe cortada a cana, junto às espigas. As canas com bandeira deixavam-se ficar para que o grão ficasse mais grosso.
A palha resultante deste corte, era carregada em molhos e deixava-se a secar junto às hortas. Depois de bem seca eram feitos molhinhos mais pequenos a que se chamavam fachas.
Estes pequenos molhos eram normalmente dados ao dono dos bois que lavrava a terra e carregava o estrume para as hortas. Este era chamado de "Carreiro" e a paga do seu trabalho era a palha com que ia alimentando os bois.
Mas, o ciclo do milho não termina aqui. Quando a espiga estava quase pronta para ser apanhada, eram tiradas todas as folhas da cana do milho e atadas em pequenos molhos, que depois de bem secos, eram guardados nos palheiros para serem dados, de pasto, ao gado.
Depois deste trabalho todo é que tiravam as espigas das canas, e estas eram transportadas para casa, onde se faziam as desfolhadas.
Quando as maçarocas estavam em casa, as pessoas da aldeia ajudavam-se umas às outras, num serviço verdadeiramente comunitário. O milho era desfolhado por várias pessoas.
Qualquer criança que tivesse nove ou dez anos, já ia ajudar à desfolhada e, de certeza, não ficava atrás dos adultos nesse trabalho específico.
Nas desfolhadas havia uma coisa engraçada, o rapaz ou rapariga, a quem calhasse uma espiga encarnada, era obrigada pelo juiz a cumprir uma pena. Normalmente era dar um beijo e um abraço a todas as pessoas presentes na roda.
Tanto as desfolhadas, como as debulhas do milho, eram uma paródia. Aí se encontrava muita gente, cantava-se, bebia-se e contavam-se histórias. Por vezes (muitas, mesmo) no final das debulhas, faziam-se grandes bailaricos.
O milho, depois de debulhado, era transportado para o estendedouro, onde era espalhado em cima de grandes panos ou mantas de fitas, para ficar a secar ao sol e só era guardado quando estava bem seco.
Também para secar o milho se faziam coisas por tradição. Levava-se para o local onde o milho secava ao ar, uma arca e durante quatro ou cinco dias, era estendido de manhã (em cima das mantas ou panos) e apanhado à tarde, quando o sol passava.
Só assim, depois de passar todas estas etapas, é que o milho estava pronto para ser posto nos foles que o haviam de levar até aos moinhos, donde regressavam em farinha para se fazer a broa e os bolos.
Desta forma breve e aligeirada, espero ter mostrado como era o trabalho que estas duas espécies de cereais davam até serem transformados em alimento.
Já a batata, outro alimento indispensável na dieta serrana, e outros produtos hortícolas, assim como o vinho e azeite não davam metade do trabalho e eram muito mais compensatórios.
Não é preciso dizer mais nada para saberem o trabalho e esforço que a agricultura obrigava naquele tempo. Foi por isso, que escrevi, a vida dura dos serranos nos tempos de antigamente.
José Augusto Simões
2000
Publicado em Ecos da Póvoa