O BARCO PARTIA À VELA
(óleo sobre tela Elisabete Maria Sombreireiro Palma)
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
(óleo sobre tela Elisabete Maria Sombreireiro Palma)
(Cópia
Óleo sobre tela Elisabete Sombreireiro Palma)
PERCURSOS
Rogério Martins Simões
Andamos aos poucos
a escrever o livro das nossas vidas.
A libertação tem o seu preço,
pagamos caro a mudança,
sacudindo as roupa envelhecidas…
Que é feito dos vestidos de chita?
Onde estão os dedos finos delicados
que enrolavam os cabelos do menino?
E os caracóis? E as gotas
com que rebuçava o olhar de mel?
Tartarugas luzidias rastejam
recordando que já foram cágados…
Abro o saco e liberta-se
um louva-a-deus…
Manejo uma espada de madeira,
herói da banda desenhada.
Ergo a espada de nada
e faltam-me as sílabas
que se escaparam
das folhas arrancadas.
Ainda assim quero escrever,
quero borboletear faíscas
para não ficar cego…
As recordações são agora
monstros cospe-lume,
dragões afinados…
Cordas partidas de um violino.
Liberto as claves de sol
para de novo te ver sorrir!
Um canto adormecido
embala docemente
um berço de silêncio.
Recupero o leite materno
num figo verde,
lábios rasgados.
Chupo um rebuçado
com sabor a mentol.
A tinta permanente secou!
O mata-borrão
levou as pontas do meu nome
(bem desenhadas
para caber entre duas linhas.)
Entrelinho as palavras desalinhadas.
Não dou a mão à palmatória.
Quando tudo passar serei glória.
Por agora vou afinando
as cordas estropiadas,
velha amarra dum batel.
A espada é agora pó
e já foi serradura…
Os cabelos, caracóis finos,
afinaram os violinos
numa nuca envelhecida
e cantaram vitória…
Ainda assim a fogueira
não destruiu tudo
e o combate ao dragão
queima-tudo,
ainda agora começou.
O fumo das folhas
é agora nosso.
E os versos também…
26-02-2007 0:23:20
(Ao correr da pena, dedicado à poetisa
Na tinta na pena ou no sonho
Cada beijo teu
Um desejo me custa
Por cada passo, que passo
A ti me enlaço
Ah!
Hoje quero cantar uma pena
Pela pena das minhas mãos
E assim eu afago
Teu rosto de papel
E engulo a seiva da tua tinta
Num bater ritmado
Do meu peito
Em tua pulsação distinta.
Por cada beijo teu
Um desejo me custa
Mas mesmo assim meu amor
Na tinta
Na pena
Ou no sonho
Em cada passo
Que passo
Desencontrado
Eu me encontro contigo.
9/11/2004
( Elisabete Sombreireiro Palma a pintar)
Segredos, meu amor
(Rogério Martins Simões)
Segredos, meu amor
Hoje te quero revelar!
Se pudesse te daria o mundo:
A eternidade, meu amor profundo
Os poemas de amor - sem dor
Num canto belo se soubesse cantar!
Cantar, cantavas tu…e tão bem!
Pintar é a tua actual inspiração!
Reservo para ti também:
A poesia! Meu amor-perfeito;
Tempo de pausa e meditação!
A fantasia de alguém
Imperfeito!
Carente, terreno e pensante!
E se em momentos de inspiração
Parto por aí algo errante
Numa completa e intemporal dação
(Mas quente e vertical entrega)
Seja breve e que encante!
Minha alma nesse instante sossega.
26-05-2004 23:29
(Óleo sobre cartão Elisabete Sombreireiro Palma)
PIOR QUE A DÚVIDA
Rogério Martins Simões
Pior que a dúvida
É o silêncio
quando o silêncio pesa
Pesam as palavras
Não há certezas
A única certeza é a morte
E na dúvida
Ressoam os pensamentos.
As inquietações
O azar ou a sorte
É como se não existissem
soluções
Jogamos todos os dias a roleta…
E, estranhamente,
Quando estamos na valeta
O tempo passa lentamente
- Tão devagar que o tempo medra…
É como que se conservasse uma pedra
no sapato
Lancei fora tantas vezes a pedra…
E no ricochete
Vaporizei pó
e de novo se fez pedra
(Óleo sobre tela Elisabete Sombreireiro Palma)
DIZER PARA QUÊ?
Rogério Martins Simões
Dizer para quê?
Falar para quê?
Sentir para quê?
Viver para quê?
Faço perguntas:
Sem falar!
Sem sentir!
Sem viver!
Solto o meu ouvido
E o meu olhar de lince
À procura de resposta:
Sem falar!
Sem sentir!
Ou viver!
E por mais que pergunte
Sem dizer
Não consigo ver…
Falar!
Sentir!
Ou viver!
1979
DIÁSPORA
Rogério Martins Simões
Gosto de viajar para casa!
Regressar é um desejo de quem parte
e não quer ir.
Vou!
Já fui tantas vezes na aventura
calcetando pedras,
dormitando em tábuas,
onde me perco sem contemplações,
encalhando nos confins das terras,
amealhando uns tostões.
Tivesse asas para acompanhar o
pensamento
porque as asas só se levantam tendo
penas.
Penas tenho!
Pena não tenho!
Da fome e dos xailes pretos…
Deixei em casa corpos em metamorfose,
silêncios e silvas,
que crescem entre muros e dão
amoras…
Comprei a última tesoura de podar
Tenho a barriga a dar horas
E um sonho para voltar...
A vinha ficou brava…
A horta e a casa fechada
são agora um pasto de chamas.
- Aldeia porque me chamas filho
se só tive madrasta!?
- Nação porque me pedes o voto
se não te sei ler!?
Gosto de regressar mas não posso
ficar…
Falo agora esta meia língua estranha,
porque já esqueci a minha…
Volto a percorrer as estradas
que me afastam do que resta...
Levo uns trocos para a viagem
e quando me virem vai ser cá uma
festa…
Vou petiscar couratos
e beberei uns copos
com os rapazes do meu tempo.
Regressarei um dia para cuidar da
vinha…
Por agora durmo a sesta…
Voltarei para cumprir a promessa.
E beberei nos corpos deixados,
um néctar guardado,
entre fragas e pinheiros…
Verberarei palavras de fel,
embrulhadas com cargas de explosivos
abrindo estradas,
caminhos que me deixaram partir
Agora tenho de ir…
Regressarei à casa nova que construí,
e em cada degrau,
limparei as lágrimas definitivas
da minha saudade.
Vou partir mas tenho de regressar…
Oh Pátria amada,
onde se acolhem os sonhos do meu
regresso,
porque me deixaste partir?
Oh Pátria amada deixa-me regressar
ainda que só te enxergue,
no que resta,
penhascos e pedras pretas.
Quero todo o barro, granito ou lousa
Quero a água cristalina que emergia das
fragas.
Quero depositar uma coroa de rosas
nas campas rasas dos meus pais.
E um coroa de espinhos nos despojos
dos que me obrigaram a seguir…
Sonhei voltar.
Não voltarei para partir…
Não voltarei a sonhar.
Vou ficar
Tenho filhos e netos neste lugar
Retalha a saudade no que resta do meu
corpo!
Viajarei gavião….
Por agora recebo notícias do meu país
- Dizem que as motas todo-o-terreno
debutaram nas silvas da minha aldeia…
E se a língua portuguesa é a minha raiz
profunda,
afundo as minhas mágoas por não poder
regressar,
Porque, agora, regresso, escreve-se
noutra língua
e já nem sei o caminho de retorno…
8/03/2007
(Este poema é dedicado ao grande poeta português Armando Figueiredo - Daniel Cristal e a todos os emigrantes na diáspora.)
(óleo sobre tela
Elisabete Maria Sombreireiro Palma)
DESAFIO AO POETA
Rogério Martins Simões
Iniciámos juntos a caminhada,
Proclamámos versos ao sol-pôr
Percorria um violino a estrada
E soltava uma canção de amor
Acendi nos anos todas as velas…
Não consigo disfarçar a ventura
Enfeitava teus cabelos na loucura
Se te visse voltarias às estrelas…
Esvoaçaram pérolas de violetas
Manhãs de sol, chuva e Primavera
Cresceram nos canteiros borboletas
Se te ler nos olhos serás quimera…
Olhei a manhã ver se não te via
Seguias os teus passos paralelos
Trago meiguice nos meus desvelos
Recordo em ti versos e alquimia
Não te sei sentir indiferente
Ocupa-me agora com o olhar
Cego não te irei olhar de frente
Resta o violino para recordar
Dança! Agora, vamos dançar
Melodia inacabada… clave de sol
Não te podia ver! Se te ver irei corar
Esvoaçam versos em girassol….
Lisboa, 03-04-2007 22:52:51